OEA/Ser.G
GT/CDI-2/01 add. 2
17 julio 2001
Original: espanhol
COMENTÁRIOS
E PROPOSTA DOS ESTADOS MEMBROS SOBRE
A
CARTA DEMOCRÁTICA INTERAMERICANA
(Apresentado
ao Conselho Permanente, em sua sessão de 11 de julho de 2001)
Peru
INTERVENÇÃO
DO REPRESENTANTE PERMANENTE DO PERU
SÃO
ÁOLH
H
SOBRE OU TEMA
“CARTA
DEMOCRÁTICA INTERAMERICANA”
Esta é a primeira vez que faço uso da palavra desde que Vossa
Excelência assumiu a Presidência do Conselho. Por isso, quero
expressar a satisfação de minha Delegação por tê-lo na condução
de nossos debates. Sua experiência, qualidade profissional,
equanimidade e atitude sempre ponderada são algumas das virtudes que
o caraterizam, Senhor Presidente, e que asseguram o êxito de suas funções
em prol dos trabalhos do Conselho e do tratamento dos temas
importantes e sensíveis que discutiremos ao longo de sua gestão. Por
todo isso, Senhor Embaixador, receba uma vez mais as efusivas e
amistosas felicitações da Delegação do Peru.
Senhor
Presidente:
Em conformidade com o mandato emanado dos Chefes de Estado e
dos Ministros das Relações Exteriores, iniciamos neste momento a
negociação formal da versão final do texto da Carta Democrática
Interamericana, que deverá ser aprovada em Lima, no próximo dia 10
de setembro, na Assembléia Geral Extraordinária, em nível
ministerial, convocada para essa finalidade pelo Conselho Permanente
em cumprimento da Resolução de San José.
Pelo apoio recebido, a iniciativa da Carta Democrática,
apresentada pelo Ministro das Relações Exteriores do Peru,
Embaixador Javier Pérez de Cuellar, não é mais a proposta de um país
ou de um grupo de países. É, como já assinalei em outra
oportunidade, uma iniciativa que agora pertence a todos os nossos
governos. E isto se deve não somente ao fato de que todos os países
membros da OEA expressaram seu compromisso com o projeto democrático
que a carta simboliza, mas também ao trabalho sistemático e criativo
deste Conselho que transformou o texto num conjunto amplo de
iniciativas e propostas provenientes de todos os nossos países. Mais
ainda, com a colocação em prática dos procedimentos nacionais de
consulta com a sociedade civil e os atores políticos e institucionais,
a Carta está emergindo como uma aspiração dos povos das Américas,
de seus ideais e de suas lutas pela liberdade e pela democracia.
Estou convencido de que esta base ampla de sustentação social
da Carta Democrática Interamericana se consolidará com os trabalhos
que hoje iniciamos e com as contribuições apresentadas para sua redação
definitiva antes de sua aprovação pelos Chanceleres em Lima. Neste
contexto, o Peru recebeu com grande satisfação os consensos que os
Chefes de Estado e de Governo da CARICOM expressaram recentemente, na
XXII Reunião da Conferência de Chefes de Governo, realizada de 3 a 6
de julho deste ano em Nassau. Estimamos que a contribuição e o
compromisso dos países da CARICOM, que possuem uma tradição democrática
caracterizada pela estabilidade e pela fortaleza da institucionalidade
do Estado de Direito, será de grande importância para a obtenção
de um texto final integral, equilibrado e representativo dos padrões
democráticos internacionais.
Como já observaram muitas delegações, a iniciativa da Carta
Democrática Interamericana tem, sem nos deixarmos levar pela
grandiloqüência, um significado histórico que repercutirá em pelo
menos três âmbitos essenciais da vida cotidiana dos milhões de
pessoas que integram a realidade plural e diversa das Américas: o âmbito
da vida individual, vinculada ao exercício das liberdades e dos
direitos fundamentais; o âmbito da vida social e política, que se
expressa no funcionamento legítimo da democracia como forma de
governo e na vida institucional que representa o Estado de Direito; e,
finalmente, o âmbito do desenvolvimento e da luta contra a pobreza.
A Carta Democrática está destinada a contribuir para a vida
democrática na região adquirir a estabilidade indispensável para
que indivíduos e povos tenham assegurados o exercício de suas
liberdades e direitos humanos; para que a permanência e o
funcionamento legítimo das instituições do Estado de Direito,
especialmente a autonomia e a eficácia da administração da justiça,
indispensável para os atores econômicos poderem realizar as tarefas
do desenvolvimento econômico e social, se convertam em fatores
funcionais para a criação da riqueza e sua melhor distribuição;
para que a democracia vá além das formas jurídicas e transfira
poderes, propiciando a descentralização, o fortalecimento dos
poderes locais e políticas de inclusão dos setores marginalizados da
sociedade e das minorias.
Não
é que a Carta Democrática tenha por objetivo alterar os processos
políticos ou econômicos. Obviamente, não é assim. Mas a Carta
Democrática e seus mecanismos de promoção, preservação e defesa
da democracia certamente contribuirão, do ponto de vista externo e
interno, para uma maior estabilidade e legitimidade da democracia na
região. E a estabilidade democrática e a legitimidade que ela
pressupõe constituem um fator propício para o desenvolvimento e a
coesão social.
A ampliação das margens da estabilidade política e jurídica
da democracia e do Estado de Direito é o objetivo principal da Carta
Democrática Interamericana, como também o é a criação de condições
para uma revalorização da política e dos atores políticos
inerentes à vida democrática, enfraquecidos, em uma perspectiva histórica,
por fatores como a corrupção, a fraca relação participativa com os
eleitores e os cidadãos ou a tentação do exercício autoritário ou
excludente do poder político
Neste sentido, o debate mantido no Conselho Permanente já é,
em si próprio, uma resposta valiosa aos problemas, aos pontos fortes
e aos pontos fracos da vida democrática em nossas sociedades. Neste
debate, têm aflorado algumas questões essenciais, como a relação
existente entre a qualidade das instituições e da vida democrática
com o desenvolvimento econômico e social e, mais especificamente, com
a responsabilidade coletiva da luta contra a pobreza e a extrema
pobreza; ou ainda a questão crucial da legitimidade e da eficácia da
institucionalidade democrática vinculada à participação e à
representação da vontade popular por meio da gestão parlamentar.
Por ser este um tema essencial, quero dedicar-lhe uma breve reflexão.
A democracia, do ponto de vista da teoria política e do
direito público, e também da filosofia política, é representativa
ou não é democracia. A essência mesma da democracia reside na
soberania popular como única forma de legitimidade do exercício do
poder. Esta soberania, reconhecida como um princípio e uma norma
imperativa do direito internacional (o princípio de autodeterminação
dos povos), é exercida, na democracia, por meio de eleições periódicas,
livres e justas, pelas quais o povo elege livremente a seus
representantes. Por isso, o caráter representativo é tautológico em
relação ao conceito da democracia.
Historicamente, existiram outras formas de constituir ou
integrar parlamentos, como os parlamentos de partido único ou as
representações gremiais ou corporativas. Mas, nestes casos,
justamente pela inexistência da representação baseada em eleições
periódicas livres e justas, trata-se de regimes políticos
alternativos à democracia.
A democracia é representativa sob a perspectiva em que se
expressa a soberania popular para eleger seus representantes no
governo. Isto não exclui que, de maneira complementar e não
substitutiva, sejam adotadas, como acontece com o moderno direito público
latino-americano, formas de democracia direta, como o plebiscito ou o
referendo, como métodos para se chegar a determinadas decisões de
importância transcendental, como, por exemplo, uma reforma
constitucional.
Não obstante, a experiência histórica mostra que, quando o
Estado de Direito e a sociedade civil são fracos, o caráter
representativo da democracia, que não se refere apenas à origem do
governo constituído mas igualmente à forma como esse poder é
exercido em relação aos eleitores, pode diluir-se no exercício do
poder, quando governantes eleitos democraticamente se desvinculam não
somente dos eleitores mas da própria institucionalidade do Estado de
Direito, aí incluídos os outros poderes do Estado, e governam
antepondo sua vontade à lei e às regras do jogo democrático. A
teoria política atual qualifica esses casos de “democracias
delegativas”, em vez de representativas. Finalmente, trata-se de
regimes autoritários que afetam ou quebram a institucionalidade
democrática que permitiu sua própria eleição.
O caráter representativo da democracia engloba, por isso, uma
relação interativa entre os eleitores e os eleitos, com a finalidade
de promover, de maneira sistemática, a participação dos eleitores,
como indivíduos ou coletivamente por meio das organizações da
sociedade civil, nos processos de tomada de decisões. Do grau
participativo da relação existente entre governo representativo e
cidadania depende em grande parte a legitimidade e a qualidade da
democracia.
Esta relação entre a democracia representativa e o caráter
participativo de seu exercício não deve confundir-se com formas
alternativas das eleições livres, justas e periódicas como expressão
da vontade popular em um regime democrático. São ordens de coisas
diversas.
O texto atual da Carta Democrática tenta resolver esta questão
de maneira construtiva, na perspectiva que ratifica a natureza
representativa da democracia e que promove seu caráter participativo
como um fator de qualidade e legitimidade.
Senhor
Presidente:
Na opinião do Governo do Peru, os trabalhos que hoje iniciamos
devem permitir-nos aperfeiçoar o texto básico aprovado pelos
Chanceleres em San José. Meu Governo é de parecer que se faz necessário
introduzir no texto o conceito de solidariedade como um valor inerente
à vida democrática para que a justiça se alie à liberdade.
Parece-nos também que o artigo 3, relativo aos elementos
constitutivos da democracia, deveria ser aperfeiçoado, pelo menos com
a menção explícita da divisão de poderes e da autonomia da
administração da justiça, e com a menção específica da liberdade
de expressão e imprensa, por ser este um dos principais elementos
constitutivos da vida democrática. Minha Delegação pensa que também
é necessário melhorar os parágrafos relativos aos mecanismos de
preservação e defesa da democracia, uniformizar a redação relativa
aos pressupostos factuais que tornam necessária uma ação coletiva e
precisar, embora não forma taxativa, algumas idéias básicas para
que a expressão “alteração da institucionalidade democrática”
adquira um conteúdo mais concreto. Nesta ordem de idéias, poderia
mencionar-se a dissolução institucional do congresso ou parlamento,
o não-reconhecimento de uma eleição livre e justa, a realização
de eleições com elementos certos da existência de fraude ou de
condições iníquas que alterem seu resultado, a eliminação da
divisão de poderes ou a existência de uma situação de violações
em massa dos direitos humanos e a supressão ou restrição das
liberdades individuais.
Também a seção relativa à observação eleitoral da OEA
precisará ser melhorada.
Do mesmo modo, parece-nos indispensável reforçar os artigos
referentes à vinculação entre a democracia e o desenvolvimento e
entre a democracia e a luta contra a pobreza e toda forma de exclusão
ou discriminação. As propostas de Antígua e Barbuda sobre as inter-relações
da democracia, da educação, do meio ambiente e dos direitos
trabalhistas também enriquecerão o texto. O Peru as vê com simpatia.
Senhor
Presidente:
Quando o Peru apresentou a iniciativa da Carta Democrática
Interamericana, ele o fez na convicção de que estava apenas
interpretando um estado de ânimo e uma aspiração: a aspiração de
um sistema interamericano democrático, diferente qualitativamente
daquele que prevaleceu ao longo da Guerra Fria, marcado pela intervenção
em assuntos internos e pela aceitação e legitimação de regimes de
fato, que emergiram contra a institucionalidade democrática e foram
responsáveis por violações maciças e sistemáticas dos direitos
humanos; e o estado de ânimo que corresponde à determinação de
nossos povos para consolidar a democracia e o Estado de Direito na
aptidão para empreender as tarefas urgentes do desenvolvimento e o
imperativo de lutar contra a pobreza e a pobreza extrema. Assim,
estaremos construindo um novo Sistema Interamericano, sustentado nos
valores da democracia, da liberdade, da justiça social e do respeito
mútuo.