Imprensa da CIDH
Washington, D.C. – A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e suas Relatorias Especiais para a Liberdade de Expressão (RELE) e sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (REDESCA) alertam sobre os impactos nos direitos humanos e na governabilidade derivados da conflituosidade social na Bolívia. O Estado deve respeitar e garantir os direitos humanos no contexto de protestos, e fortalecer os espaços democráticos para a resolução das controvérsias através do diálogo.
No dia 17 de setembro, uma facção do Movimento Al Socialismo – Instrumento Político por la Soberania de los Pueblos (MASP-IPSP) iniciou protestos exigindo o reconhecimento da liderança do Ex-Presidente Evo Morales, entre outras demandas. Após uma pausa, os protestos reiniciaram em 14 de outubro, com bloqueios de estradas, logo após o anúncio de processos penais contra o Ex-Presidente por possíveis casos de abuso sexual e tráfico de meninas. Os bloqueios se intensificaram em 27 de outubro, após uma denúncia de ataque armado contra o veículo que o transportava. O Estado informou que esses fatos ocorreram durante uma operação policial, na qual o Ex-Presidente Evo Morales teria sido reconhecido.
Em 4 de novembro, a Administradora Boliviana de Estradas relatou 16 pontos de bloqueios ativos – 15 deles em Cochabamba. Os bloqueios dificultaram o trânsito de ambulâncias; produtos alimentícios básicos, como arroz e farinha, bem como o acesso a serviços médicos e suprimentos essenciais, incluindo caminhões-tanque de combustível. Segundo informações do Estado, as pessoas que participaram dos bloqueios portavam explosivos e armas caseiras. Diante da conflituosidade social, o Tribunal Supremo Eleitoral adiou a eleição de autoridades judiciais para o dia 15 de dezembro.
O Poder Executivo anunciou operações conjuntas da Polícia Nacional e do Exército para desativar os pontos de bloqueio; por outro lado, a Defensoria alertou para o anúncio de ações de desbloqueio por arte de grupos não estatais. Sobre isso a Defensoria do povo informou a respeito de pelo menos 63 pessoas presas no contexto das operações. Também alertou para possíveis violações das garantias judiciais e condições deficientes de privação da liberdade.
A CIDH observa que os pontos de bloqueio foram cenários de confrontos violentos. Segundo relatórios oficiais, em 25 de outubro, foi registrado um confronto entre manifestantes e policiais, em Parotani, com um registro de 28 pessoas feridas, entre elas 21 efetivos policiais. Nessa mesma localidade, foi registrado outro confronto no dia 1 de novembro, com pelo menos 39 pessoas feridas, entre elas 34 efetivos policiais.
Além disso, em 29 de outubro, foram registrados confrontos, retenção, violência e ameaças contra agentes policiais e jornalistas que realizavam a cobertura informativa em Mariana, Santa Cruz. O Estado registrou 44 pessoas feridas, entre elas 42 efetivos policiais. Em 1 de novembro, pessoas tomaram de assalto dependências militares em Villa Tunari, retendo ilegalmente o pessoal militar. Em 3 de novembro, em Capinota, Cochabamba, o Estado registrou o sequestro de 2 agentes policiais.
Desde o início dos protestos, a RELE recebeu denúncias de ao menos 30 agressões contra jornalistas e trabalhadores da imprensa que cobriam os fatos , tanto de meios de comunicação públicos como privados. Tais agressões incluem retenções, ataques físicos, roubo e destruição de equipamentos, ameaças e restrições à cobertura jornalística, bem como acusações estigmatizantes que buscariam deslegitimar o seu trabalho. De acordo com informações públicas, a maioria dessas agressões foram praticadas por particulares envolvidos nos bloqueios.
O Estado tem a obrigação de garantir, proteger e facilitar as manifestações públicas, o que inclui esgotar todas as medidas para a solução pacífica dos conflitos, fomentar um diálogo amplo e inclusivo com todas as partes interessadas e assegurar que as tarefas de segurança pública estejam reservadas para as forças estatais constitucionalmente autorizadas. Os atos de violência não estão protegidos pelo direito ao protesto. O Estado também deve facilitar o trabalho dos jornalistas; garantir a sua proteção na cobertura de eventos de interesse público, como os protestos sociais; investigar e sancionar qualquer ato de violência que ameace sua integridade, seja por agentes públicos ou particulares. A CIDH e a REDESCA destacam a importância de que as pessoas manifestantes que façam uso de bloqueios não ponham em risco a vida das demais pessoas e permitam a circulação de insumos, serviços e provisões essenciais.
É primordial que as altas autoridades e todas aquelas pessoas com liderança política que se pronunciam sobre os fatos em questão contribuam com o seu discurso para um ambiente favorável à deliberação pública, aberta e plural. A todo o momento deve ser preservada a institucionalidade e se garantir a continuidade dos processos democráticos em curso, incluindo as eleições de autoridades judiciais.
A CIDH observa com extrema preocupação a agudização da conflituosidade social. No passado recente, nesse tipo de contexto, foram registradas graves violações de direitos humanos na Bolívia. O Estado deve observar suas obrigações internacionais para prevenir a repetição dos fatos do passado. Além disso, deve redobrar seus esforços voltados à geração de espaços de diálogo genuíno entre os diversos setores da sociedade boliviana, em toda a sua pluralidade, com a participação de todos os setores dentro do espectro político. Nesse sentido, registra que o Executivo realizou ao menos 7 convocatórias públicas para o diálogo.
As lideranças políticas devem assumir o diálogo como via para sair da conflituosidade; evitar o aprofundamento da polarização, e contribuir para a governabilidade democrática. A CIDH reitera que continuará observando a situação e acompanhará a implementação das recomendações do seu relatório de país, que inclui delineamentos práticos para reduzir os efeitos da polarização política.
A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato deriva da Carta da OEA e da Convenção Americana de Direitos Humanos. A Comissão Interamericana está mandatada para promover a observância dos direitos humanos na região e atuar como órgão consultivo da OEA sobre o assunto. A CIDH é composta por sete membros independentes, eleitos pela Assembleia Geral da OEA em caráter pessoal, e não representam seus países de origem ou residência.
No. 282/24
2:30 PM