Imprensa da CIDH
Washington, D.C. – A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) apresentou no último dia 5 de janeiro perante a Corte Interamericana de Derechos Humanos (Corte IDH) o caso Beatriz em relação a El Salvador, referente à proibição absoluta da interrupção voluntária da gravidez. O caso refere-se à responsabilidade internacional do Estado pelas violações dos direitos de Beatriz e sua família devido à proibição absoluta da interrupção voluntária da gravidez, que a impediu de ter acesso a uma interrupção legal e em tempo oportuno e a deixou em uma situação de grave risco à vida, à saúde e à integridade física, e levou à inviabilidade da vida extrauterina do feto.
Em 2013 Beatriz, uma mulher jovem que vivia em situação de extrema pobreza, foi diagnosticada com uma gravidez de onze semanas, que foi considerada de alto risco porque ela estava sofrendo de uma doença grave. Posteriormente foi diagnosticado que o feto era anencefálico, incompatível com a vida extrauterina, e que se a gravidez progredisse havia uma probabilidade de morte materna. Posteriormente, a defesa legal de Beatriz apresentou um mandado de segurança solicitando a interrupção da gravidez para salvar sua vida, que foi aceito pela Câmara Constitucional, que emitiu uma medida cautelar para garantir sua vida e saúde física e mental. Em maio daquele ano, a mesma Câmara rejeitou o mandado de segurança, considerando que não houve conduta omissiva por parte das autoridades acusadas. Devido à situação de risco em que se encontrava Beatriz, a CIDH e a CorteIDH concederam medidas cautelares e provisionais em seu favor. No dia 3 de junho, Beatriz entrou em trabalho de parto e teve que passar por uma cesárea. O feto anencefálico morreu cinco horas depois.
Especificamente, a CIDH considerou que embora a proteção da vida desde a concepção constitua um objetivo legítimo, a criminalização da interrupção da gravidez quando a vida extrauterina do feto não é viável não cumpre o requisito de adequação, uma vez que a não viabilidade da vida do feto rompe a relação meio-fim entre a criminalização e o objetivo que busca, já que o interesse protegido (a vida do feto) inevitavelmente não será capaz de se materializar. Da mesma forma, entre outros aspectos, foi estabelecido que os danos e riscos aos direitos à vida, à saúde, à integridade física e à privacidade de Beatriz como consequência da falta de acesso à interrupção da gravidez, atingiram a máxima severidade no caso, de tal forma em que o grau de realização do objetivo perseguido, ou seja, a proteção da vida do feto, foi nulo devido à sua condição de anencefalia.
A CIDH estabeleceu que a criminalização do aborto, em particular a sua proibição em todas as circunstâncias e sem exceção, pode encorajar as mulheres a recorrer a abortos ilegais e inseguros, colocando em risco sua saúde física e mental e até mesmo sua própria vida. Foi ainda considerado que a dor e o sofrimento que Beatriz passou desde o momento em que solicitou a interrupção da gravidez e mesmo após o nascimento e a morte constituiu um tratamento cruel, desumano e degradante.
Finalmente, a Comissão concluiu que, dado que o Código Penal anterior de El Salvador tinha uma disposição que excluía da responsabilidade criminal os abortos "terapêuticos, eugênicos e éticos", a adoção do Código Penal atual que proíbe o aborto em todas as circunstâncias constituiu uma violação da obrigação de abster-se de adotar medidas regressivas, criando um obstáculo legal a um serviço de saúde disponível no país sob certas circunstâncias. Isto, além do fato de que a legislação atual é contrária ao princípio da legalidade, pois não é clara nem precisa, criando incerteza para os profissionais da saúde quanto ao que é lícito ou não realizar, com um evidente impacto no acesso aos serviços de saúde reprodutiva. Também concluiu que o Estado não ofereceu um recurso eficaz à vítima e violou o seu direito de ter uma decisão dentro de um prazo razoável no âmbito do mandado de segurança; e o direito à integridade física dos e das familiares de Beatriz.
A CIDH considerou que o resultado deste marco regulatório e seu impacto nas tentativas de Beatriz de ter acesso à interrupção de sua gravidez fez com que sua gravidez progredisse significativamente, representando um risco permanente que afetou fortemente seus direitos, constituindo violações dos direitos à vida, integridade física, privacidade e saúde, tanto física quanto mental.
Com base no acima exposto, a CIDH concluiu que o Estado de El Salvador é responsável pela violação dos direitos à vida, integridade física, às garantias judiciais, privacidade, igualdade perante a lei, proteção judicial e direito à saúde e à realização progressiva dos direitos estabelecidos na Convenção Americana, em relação às obrigações estabelecidas nos seus artigos 1.1 e 2. Concluiu-se também que o Estado é responsável pela violação dos artigos 1 e 6 da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, e do artigo 7 da Convenção de Belém do Pará, que obriga os Estados a prevenir e punir a violência contra as mulheres.
Em seu Relatório de Mérito, a CIDH recomendou ao Estado, entre outras medidas: reparar integralmente as violações declaradas; adotar medidas legislativas para estabelecer a possibilidade de interromper uma gravidez em situações de inviabilidade ou incompatibilidade da vida extrauterina do feto, bem como quando há riscos graves para a vida, a saúde e a integridade física da mãe; adotar todas as medidas necessárias, incluindo a formulação de políticas públicas, programas de treinamento, protocolos e estruturas de orientação para assegurar que o acesso à interrupção da gravidez como consequência da adaptação legislativa acima mencionada seja eficaz na prática, e que não sejam gerados obstáculos de fato ou de jure que afetem sua implementação, respeitando as normas internacionais de direitos humanos aplicáveis.
A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato surge a partir da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como mandato promover a observância e defesa dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na temática. A CIDH é composta por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sem representarem seus países de origem ou de residência.
No. 011/22
3:55 PM