Comunicado de Imprensa
Imprensa da CIDH
Washington, DC—A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) condena veementemente o número extremamente alto de mortes registradas no contexto da operação policial “Operação de Contenção”, realizada no Complexo da Penha, no Rio de Janeiro. A CIDH insta o Estado a investigar de forma imediata, diligente e independente os acontecimentos, considerando toda a cadeia de comando, a sancionar os responsáveis e a garantir reparação integral às vítimas e a seus familiares.
Com base em informações públicas, a operação conjunta de 28 de outubro de 2025 conduzida pelas Polícias Civil e Militar, sob a autoridade constitucional do estado do Rio de Janeiro e com o objetivo de capturar integrantes de um grupo do crime organizado, resultou na morte de pelo menos 121 pessoas e na prisão de outras 113, tornando-se a operação mais letal da história recente do Brasil. Relatórios públicos indicam que a maioria das vítimas eram homens; vários deles apresentavam ferimentos por disparos na cabeça e outros indícios que sugerem possíveis execuções extrajudiciais.
A operação e a ação dos grupos criminosos tiveram um impacto severo na vida cotidiana, incluindo restrições à mobilidade, suspensão do transporte público, fechamento de escolas e redução do acesso aos serviços de saúde, afetando de forma desproporcional as populações afrodescendentes e de baixa renda.
A CIDH observa que esta operação reflete um padrão persistente de violência policial no Rio de Janeiro, anteriormente identificado no caso Favela Nova Brasília e documentado também em outros estados do país, conforme o relatório Situação dos Direitos Humanos no Brasil e diversos comunicados públicos (181-25; 228-23; 177-23; 120-22 339-21; 117-21; 187-20; 318-19; 103-19). Em 2024, as Polícias Civil e Militar do Rio de Janeiro teriam estado envolvidas na morte de 703 pessoas; entre janeiro e agosto de 2025, em mais 470. Dados oficiais indicam que 86% das vítimas de 2024 eram pessoas afrodescendentes. A Comissão destaca que esses números revelam uma conduta reiterada de perfilamento racial e a persistência de um modelo de segurança baseado no uso excessivo da força e na criminalização da pobreza.
A CIDH reconhece a gravidade da atuação do crime organizado e o seu impacto sobre o gozo dos direitos humanos. No entanto, manifesta preocupação com a persistência do paradigma de “guerra ao crime”, que desumaniza as vítimas e tem se mostrado ineficaz enquanto estratégia de segurança pública para reduzir os níveis de violência. Nesse contexto, é urgente que as autoridades brasileiras, incluídas as estaduais, reformulem suas políticas de enfrentamento ao crime organizado com foco nos direitos humanos, em abordagens centradas nas vítimas e na participação social, conforme aos padrões interamericanos.
Nesse sentido, o Estado destacou iniciativas recentes voltadas à redução da letalidade policial e à adequação das políticas de segurança pública aos padrões internacionais de direitos humanos. Entre elas, mencionou a decisão do Supremo Tribunal Federal conhecida como “ADPF das Favelas”, que reforça a supervisão das operações policiais e os mecanismos de responsabilização. O Estado também fez referência à Proposta de Emenda Constitucional sobre Segurança Pública, apresentada ao Congresso Nacional em abril de 2025, que busca estabelecer diretrizes gerais e possibilitar a criação de instâncias independentes de controle e de ouvidorias. Igualmente, ressaltou a existência de políticas federais voltadas à redução da violência policial, como o PRONASCI, o Plano Juventude Negra Viva e o Projeto Nacional de Qualificação do Uso da Força.
A Comissão recorda que, de acordo com os padrões do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, o uso da força pelo Estado deve observar os princípios da legalidade, necessidade, proporcionalidade e responsabilização. No caso Favela Nova Brasília, a Corte Interamericana estabeleceu a responsabilidade internacional do Estado por execuções extrajudiciais e ordenou a adoção de medidas estruturais para garantir a não repetição. Nesse marco, a CIDH reitera a necessidade de reformar os protocolos policiais sobre o uso da força, priorizando táticas voltadas à redução da letalidade e à proteção da vida, e de assegurar que o Ministério Público conduza diretamente as investigações criminais, com peritos independentes tendo pleno acesso às provas e aos procedimentos.
A Comissão Interamericana expressa sua solidariedade às famílias das vítimas e coloca à disposição do Estado seus mecanismos de cooperação técnica sobre os padrões interamericanos relativos ao uso da força, bem como para avançar com ações voltadas à verdade, justiça, reparação e não repetição.
A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato deriva da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem o mandato de promover a observância dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA sobre a matéria. A CIDH é composta por sete membros independentes, eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, que não representam seus países de origem ou de residência.
No. 221/25
1:25 PM