Comunicado de Imprensa
Imprensa da CIDH
Washington, DC—A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) publica o relatório “Situação dos direitos humanos na Guatemala”, resultado da visita in loco, realizada entre 22 e 26 de julho de 2024. Esse documento analisa os desafios estruturais que afetam o gozo e o usufruto dos direitos humanos nesse país. Em especial, aqueles vinculados com o processo de enfraquecimento da institucionalidade democrática e da independência judicial no país, a partir da última visita realizada em 2017, com atualizações até 2025.
A CIDH conclui que a Guatemala enfrenta sérias ameaças à governabilidade e ao Estado democrático de direito, o que se deve ao controle de algumas instituições estatais por parte de atores externos, políticos e econômicos, articulados em torno de interesses que buscam perpetuar privilégios e assegurar a impunidade.
O relatório informa como o Ministério Público se afastou do seu mandato constitucional e legal de exercer a ação penal de forma independente, autônoma e objetiva, em defesa do interesse geral da população. Esta instituição foi cooptada e desmantelada para operar um instrumento de persecução seletiva. A Promotoria Especial contra a Impunidade (PECI), que liderou processos emblemáticos de combate à impunidade, agora atua para blindar o status quo e perseguir aqueles que o questionam. Isso ficou evidente nas ações promovidas pela Promotoria Geral e respaldada por alguns operadores do sistema de justiça que colocaram em suspeição os resultados das eleições gerais de 2023, e que continuam tentando solapar o mandato democrático e a legitimidade do governo.
Desde 2017, a criminalização foi dirigida como represália às pessoas operadoras do sistema de justiça e ex-funcionárias da Comissão Internacional contra a Impunidade na Guatemala (CICIG) que tinham tentado investigar os interesses de grupos e elites comprometidas em casos de corrupção; de modo que a criminalização tem o claro objetivo de manter a impunidade e os privilégios de certos setores. No entanto, a CIDH corrobora em seu relatório que a instrumentalização do direito penal se estendeu às pessoas que exercem a defesa legal de pessoas criminalizadas, comunidades indígenas, campesinas e sindicais, jornalistas, estudantes e pessoal acadêmico, funcionários públicos, incluindo operadores do sistema de justiça, o ex-Procurador de Direitos Humanos, até ao Presidente e à Vice-Presidenta da República. Tal prática tem um efeito dissuasivo e coletivo que fomentou a autocensura no espaço cívico, tanto no entorno físico como digital.
Tal situação foi possível também pela conivência de interesses particulares com o Ministério Público e setores do Poder Judiciário que, sob uma aparência de legalidade, contribuíram para legitimar processos de persecução penal seletiva sem as devidas garantias e mediante a privação arbitrária da liberdade. Simultaneamente, as pessoas operadoras do sistema de justiça que atuaram conforme o direito enfrentaram assédio, estigmatização, ameaças, transferências arbitrárias e processos penais infundados, o que compeliu muitas delas ao exílio.
Nesse contexto, a impunidade, em especial em casos de corrupção em grande escala e por crimes cometidos durante o conflito armado interno, se aprofundou. Durante a visita, a CIDH constatou um padrão de obstaculização, arquivamento e estancamento dos processos de justiça transicional, decisões judiciais contrárias às obrigações internacionais, bem como a ameaça permanente de iniciativas para estabelecer leis de anistia. Somado a isso, o desmantalamento da institucionalidade derivada dos Acordos de Paz comprometeu a capacidade do Estado para responder às demandas das vítimas e cumprir com seus compromissos internacionais em matéria de verdade, justiça, reparação e garantias de não repetição.
A CIDH reafirma a urgência de se avançar em reformas estruturais do sistema de justiça que garantam a independência judicial, estabeleçam processos de seleção e nomeação de autoridades conforme os parâmetros internacionais de mérito, objetividade e transparência, bem como mecanismos para a prestação de contas frente ao uso arbitrário do direito penal. Nesse sentido, os próximos processos para a renovação da Corte de Constitucionalidade, do Tribunal Supremo Eleitoral e da Procuradoria Geral da República constituem uma oportunidade para recuperar a legitimidade do sistema judicial e fortalecer a institucionalidade democrática.
Em seu relatório, a CIDH também conclui que na Guatemala persistem desafios significativos para combater a pobreza e a desigualdade, bem como para garantir o pleno exercício dos DESCA. Entre eles, a concentração do poder econômico, uma estrutura estatal débil com escassa capacidade de arrecadação fiscal, altos níveis de corrupção, e um contexto de discriminação, violência, racismo e exclusão dos povos indígenas e das comunidades afrodescendentes e rurais. Por sua vez, persistem severas restrições no acesso a direitos como à água e saneamento, à saúde, à educação, à alimentação, ao trabalho, à seguridade social, e a um meio ambiente sadio.
Os povos indígenas vivem em condições extremamente desfavoráveis em comparação com o resto da população, com limitações ao acesso a serviços básicos, energia elétrica, falta de condições dignas de moradia, oportunidades laborais e produtivas limitadas, e obstáculos para o acesso à justiça. A falta de certeza jurídica e a ação coordenada de empresas privadas com o Poder Judiciário e o Ministério Público resultaram na apropriação e despejo forçado das suas terras ancestrais. Tal situação reflete o predomínio das relações econômicas, culturais e sociais excludentes que deram lugar ao conflito armado interno. Por sua vez, se agrava, pelo impacto de desastres naturais e da mudança climática, a perpetuação da probreza e as altas taxas de migração.
Por outro lado, o trabalho de pessoas defensoras segue sendo uma atividade de alto risco no país devido a graves padrões de violência e ao abuso do direito penal como mecanismo de assédio, intimidação e obstaculização; em especial contra comunidades indígenas, campesinas e pessoas defensoras da terra, do território e do meio ambiente. Do mesmo modo, as mulheres defensoras enfrentam violências por razões de gênero e padrões de criminalização que as afetam de maneira diferenciada. Nesse cenário, a CIDH reconhece alguns avanços institucionais recentes para sua proteção, dentre os quais constitui uma prioridade a implementação efetiva da política de proteção para as pessoas defensoras, conforme a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 2014.
Além disso, o relatório trata da situação das pessoas indígenas, afrodescendentes, mulheres, pessoas LGBTI, crianças e adolescentes, pessoas idosas, pessoas com deficiência física, pessoas em situação de mobilidade humana e as privadas de liberdade, que experimentam condições de vida marcadas pela desigualdade, exclusão e violência. Ainda que se reconheçam iniciativas que atendem suas necessidades especiais, os desafios para garantir a proteção dos seus direitos em condições de igualdade se mantém.
A CIDH formula um conjunto de 43 recomendações ao Estado em todos esses temas. Nesse contexto, reitera seu compromisso de acompanhar a Guatemala na restauração da institucionalidade democrática baseada na proteção e garantia dos direitos humanos, na luta contra a impunidade, assim como na memória histórica, na reparação integral das vítimas, no cumprimento dos compromissos dos Acordos de Paz, e nas políticas efetivas para reverter a desigualdade. A CIDH ressalta que esse processo requer uma vontade política dos três poderes do Estado, que transcenda os governos de turno, bem como a participação da sociedade civil guatemalteca e o respaldo decidido da comunidade internacional.
A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato deriva da Carta da OEA e da Convenção Americana de Direitos Humanos. A Comissão Interamericana está mandatada para promover a observância dos direitos humanos na região e atuar como órgão consultivo da OEA sobre o assunto. A CIDH é composta por sete membros independentes, eleitos pela Assembleia Geral da OEA em caráter pessoal, e não representam seus países de origem ou residência.
No. 245/25
11:00 AM