A CIDH publica o relatório “Povos indígenas em isolamento voluntário e em contato inicial nas Américas”
29 de julho de 2014
Washington, D.C. - A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) publicou hoje o relatório “Povos indígenas em isolamento voluntário e em contato inicial nas Américas”, que aborda a situação de povos que não foram colonizados e que não têm relações permanentes com as sociedades nacionais atualmente prevalecentes. Muitos desses povos desapareceram, e os poucos sobreviventes se encontram hoje em uma situação única de vulnerabilidade, pois não têm como defender seus próprios direitos. Além disso, existe a demanda alta, crescente e permanente dos recursos naturais de seus territórios, como madeiras, hidrocarbonetos, combustíveis fósseis, minerais e recursos hídricos. Essa demanda gera incursões de pessoas não indígenas em seus territórios, que põem em risco sua existência. Se não conseguirmos assegurar sua proteção contra essas incursões, enfrentaremos o risco de testemunhar o desaparecimento completo dos povos indígenas em isolamento voluntário e em contato inicial nas Américas.
No continente americano, sabe-se da presença de povos indígenas em situação de isolamento voluntário ou contato inicial na Bolívia, no Brasil, na Colômbia, no Equador, no Paraguai, no Peru e na Venezuela. Também há indícios de sua presença na Guiana e no Suriname, em zonas fronteiriças com o Brasil. Os Estados da região reconheceram, em diferentes termos e com diferentes níveis de proteção, mais de 9 milhões de hectares para os povos indígenas em isolamento voluntário ou em contato inicial. Apesar dessa proteção jurídica, na prática as proibições de acesso a essas áreas nem sempre são respeitadas, nem se tomam medidas para que sejam cumpridas. Isso permite contatos diretos e indiretos que acabam em violações do direito à vida e à integridade desses povos, o que, por sua vez, gera o risco de seu completo desaparecimento. Uma das razões para proteger os direitos dos povos indígenas em isolamento voluntário é a diversidade cultural, posto que a perda de sua cultura seria uma perda para toda a humanidade.
Uma das premissas fundamentais do relatório é o respeito ao não contato e à escolha de permanecerem em isolamento. O princípio do não contato é a manifestação do direito dos povos indígenas em isolamento voluntário à livre determinação. As diversas ameaças que atentam contra os direitos dos povos em isolamento e em contato inicial têm como causa comum o contato, direto ou indireto, com pessoas alheias a seus povos. As agressões físicas diretas, as incursões a seus territórios para a extração de recursos naturais, as epidemias, a escassez de alimentos e a perda de sua cultura pressupõem contato. Eliminando-se o contato não desejado, elimina-se a maioria das ameaças e garante-se o respeito aos direitos desses povos. Portanto, na opinião da Comissão, é fundamental que todo esforço para garantir esse respeito se baseie no princípio do não contato e que o contato só ocorra quando propiciado pelos povos em isolamento.
As pressões derivadas da extração de recursos naturais, em sua maioria destinados a satisfazer à demanda das sociedades não indígenas, representam uma das maiores ameaças ao pleno gozo dos direitos humanos dos povos indígenas em isolamento voluntário e em contato inicial. A maior parte das invasões de seus territórios acontece no contexto de extração de recursos naturais. A extração de madeiras, minerais, hidrocarbonetos e outros recursos naturais constitui uma grave ameaça à própria sobrevivência desses povos, que dependem desses recursos presentes em suas terras e seus territórios para seu bem-estar econômico, espiritual, cultural e físico. Além das incursões diretas em seus territórios, as atividades realizadas nas proximidades também podem afetar sua integridade territorial. Por exemplo, as atividades em áreas próximas que contaminam rios e outros recursos hídricos podem afetar seriamente seu hábitat, enquanto as atividades de exploração e prospecção sísmica na vizinhança podem afugentar do território a fauna de que eles dependem para sua alimentação e sustento.
O relatório apresenta mapas de atividades petrolíferas de agências estatais em que alguns lotes de exploração de petróleo se sobrepõem ou fazem fronteira com zonas intangíveis ou áreas protegidas a favor de povos indígenas em isolamento voluntário. Incursões para extração de minérios também são levadas a cabo por atores privados sem a autorização do Estado e, em outros casos, se registram atividades agropecuárias e de agricultura industrial dentro de seus territórios. Outra fonte de pressão direta é a construção de rodovias, hidroelétricas e outras obras de infraestrutura. Além disso, existem contatos deliberados, como a entrada de missões religiosas para evangelizá-los ou de projetos científicos de diversos tipos (por exemplo, New Tribes Mission e Summer Linguistic Institute). O relatório também destaca os projetos de exploração turística, do chamado “turismo de aventura” ou “turismo ecológico”, que estão gerando contato deliberado com povos em isolamento voluntário ou em contato inicial, promovendo-os a “atração turística”. Ademais, atividades relacionadas com o narcotráfico constituem outra ameaça crescente.
Esse amplo conjunto de atividades, que acabam em contatos diretos ou indiretos com os povos indígenas, aumenta as possibilidades de transmissão de doenças. Como eles não têm as defesas imunológicas apropriadas, essas doenças se transformam em uma das ameaças mais graves para sua sobrevivência física.
A Comissão Interamericana é consciente de que muitos dos obstáculos ao pleno gozo dos direitos humanos dos povos indígenas em isolamento voluntário e em contato inicial obedecem a padrões estruturais históricos, não sendo tarefa simples para os Estados implementar mudanças de fundo para revertê-los. A Comissão considera que, precisamente pelo caráter estrutural dos desafios, é necessário empreender ações imediatas que contribuam para a proteção dos direitos destes povos. Neste sentido, o relatório contém recomendações aos Estados em que vivem povos indígenas em situação de isolamento voluntário ou em contato inicial. Essas recomendações tratam, entre outras coisas, do reconhecimento de sua existência e de seu direito à autodeterminação, inclusive do seu direito a decidir permanecer em isolamento voluntário e/ou em contato inicial; da proteção de suas terras, territórios e recursos naturais, condição fundamental para se evitar seu desaparecimento; e da necessidade de que o Estado assegure o respeito e a garantia do princípio do não contato por qualquer pessoa ou grupo.
A Comissão expressa sua disposição de colaborar com os Estados, as organizações indígenas e outros atores da sociedade civil na implementação das recomendações deste relatório para que elas se tornem efetivas.
A CIDH é um órgão autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato emana da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem o mandato de promover a observância dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na matéria. A CIDH está integrada por sete membros independentes que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal e não representam seus países de origem ou residência.
No. 79/14