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Relatoria sobre os Direitos da Criança conclui visita ao Brasil e se manifesta contra a redução da maioridade penal

17 de julho de 2015

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Washington DC. - A Relatora sobre os Direitos da Criança da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a Comissionada Rosa María Ortiz, terminou a sua visita ao Brasil, realizada entre 1 a 3 de julho de 2015, às cidades de Brasília e São Paulo. O objetivo foi promover os direitos das crianças e adolescentes no país e declarar que a proposta de emenda constitucional para reduzir maioridade penal de 18 para 16 anos nos casos de delitos graves é contrária às normas e padrões de direitos humanos interamericanos.

Durante sua visita, a Relatora foi recebida por deputados e senadores brasileiros e se reuniu com organizações da sociedade civil e líderes religiosos para tratar da questão. No dia 3 de julho, a Relatora participou de uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP) convocada pelo Presidente da Comissão de Direitos Humanos da ALESP, e pela ONG Visão Mundial. Participaram também da audiência pública vereadores do município de São Paulo, representantes do Movimento Nacional de Direitos Humanos, da Visão Mundial, da Universidade de São Paulo (USP), da Rede Evangélica Nacional de Ação Social (Renas), e jovens da comunidade Lins de Vasconcelos, no Rio de Janeiro, uma das áreas mais afetadas pela violência. Durante sua viagem, a Relatora também se reuniu com jovens da região de Capão Redondo, no estado de São Paulo, de Lins de Vasconcelos e de Nova Iguaçu, ambas no estado do Rio de Janeiro, para dialogar sobre as condições de vida e segurança nas áreas onde vivem, bastante afetadas pela violência e pelo clima de insegurança.

A Relatora expressou profunda preocupação com a proposta de emenda constitucional (PEC) nº 171 discutida pela Câmara dos Deputados do Brasil, que visa a alterar a Constituição de 1988 para reduzir a idade de responsabilidade criminal de 18 para 16 anos nos casos de delitos contra a vida e outros crimes considerados graves. Durante os dias em que a viagem transcorreu, a proposta foi rejeitada na Câmara dos Deputados e, em seguida, recolocada à votação na Câmara, com a introdução de algumas alterações em sua redação. A segunda votação ocorreu com menos de 24 horas de diferença em relação à primeira, ocasião em que a proposta foi aprovada. Para realizar a mudança na Constituição brasileira, a proposta ainda deve passar por uma segunda rodada de votação na Câmara dos Deputados e deve ser aprovada em dois turnos de votação no Senado Federal.

Na viagem, a Relatora salientou que instrumentos internacionais estabelecem que são “crianças” todas as pessoas com menos de 18 anos de idade e que as normas estabelecidas pela Convenção Americana, pela Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU e pela Comissão e Corte Interamericanas de Direitos Humanos são inequívocas na garantia de tratamento diferenciado e especializado para pessoas menores de 18 anos em conflito com a lei penal. A Comissionada Ortiz afirmou que a proposta também violaria o princípio do não retrocesso em matéria de direitos humanos já garantidos. A proposta de redução da idade penal constitui uma grave violação dos direitos fundamentais dos adolescentes e é contrária aos tratados internacionais ratificados pelo Brasil.

A Constituição Federal brasileira atualmente prevê que crianças e adolescentes com menos de 18 anos não podem ser responsabilizados da mesma forma que os adultos por condutas que violem leis penais e estabelece um sistema de justiça juvenil diferenciado, tendo em vista a condição peculiar de desenvolvimento das crianças e adolescentes. A atual Constituição e o ECA estão de acordo com as normas internacionais de direitos humanos, ainda que sua implementação precise ser reforçada. A proposta de reforma constitucional proposta retrocede nos avanços legais alcançados pelo Brasil. A Relatora observou que “o Brasil foi o primeiro país do continente a traduzir a Convenção sobre os Direitos da Criança em uma lei específica para a infância, com o Estatuto da Criança e do Adolescente, e esta foi uma boa prática que inspirou e influenciou positivamente toda a nossa região.”

Ademais, a Relatora também saudou os progressos em questões legais e institucionais, em relação ao Sistema de Garantia de Direitos para a infância, particularmente por meio do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e da promulgação da Lei nº 12.594 em 2012, que regulamenta as medidas socioeducativas e estabelece o Sistema Nacional de Atendimento de Atendimento Socioeducativo (SINASE) para adolescentes em conflito com a lei, além de assentar a justiça restaurativa como um princípio da justiça juvenil. Contudo, advertiu que o SINASE precisa ser fortalecido para cumprir com sua função de reabilitação e que este, por sua vez, atua de forma complementaria em relação ao Sistema de Garantia de Direitos, o qual também precisa ser reforçado para abordar as causas que levam os adolescentes a cometerem delitos.

Crianças e adolescentes são mais vítimas do que agressores

Durante a visita, a Relatora observou que os adolescentes são um dos grupos mais afetados pela violência no país. Segundo dados oficiais, a violência foi a principal causa de morte nos últimos 12 anos entre adolescentes Em 2012, 36,5% dos adolescentes, entre 10 e 18 anos de idade que morreram, foram vítimas de homicídio como resultado da violência, em contraposição a 4,8% em relação à população geral. Também em 2012, 56.000 pessoas foram assassinadas no Brasil, das quais 30.000 tinham idades entre 15 a 29 anos e, dessas, 77% eram afrodescendentes. A maioria desses assassinatos é praticada com armas de fogo e menos de 8% dos casos vão a julgamento. Além de serem vítimas da violência letal, as crianças e adolescentes ainda são diariamente vítimas de outras formas de violência, como no ambiente doméstico, na escola e inclusive por parte das forças de segurança do Estado. A Comissionada afirmou que “nos ambientes em que crescem as crianças proliferam as armas de fogo, o tráfico de drogas e a presença de organizações criminosas, com regulares confrontos armados e pressões de grupos criminosos.”

Entretanto, crianças e adolescentes são acusados ​​de serem os principais responsáveis pelos crimes graves cometidos no Brasil. Contudo, ao contrário do que se acredita, dados recentes da UNICEF indicam que dos 21 milhões de adolescentes brasileiros, apenas 0,013% teriam cometido crimes contra a vida. O envolvimento de adolescentes com a criminalidade está limitado, em grande parte, a crimes patrimoniais ou ao microtráfico de drogas, os quais estão relacionados, na opinião da Comissionada “com as condições socioeconômicas de exclusão e discriminação da infância pobre e afrodescendente, em um contexto de urbanização desordenada que não fornece condições de vida dignas e um contexto de insuficiência de políticas sociais do Estado para a prevenção da violência e para a garantia de direitos.” A Relatora também escutou de parlamentares que haveria uma demanda cidadã contra a impunidade dos adolescentes. A este respeito, afirmou que “é preocupante a inadequação da informação, pois não existe esta impunidade, já que os adolescentes que cometem atos delitivos são responsabilizados pelos mesmos a partir dos 12 anos de idade por meio de um sistema de justiça juvenil que visa à sua reabilitação e à sua reinserção social; tal sistema deve ser melhorado.”

Alternativas à redução da maioridade penal: prevenção e fortalecimento do ECA

A Relatora enfatizou que, de acordo com suas obrigações internacionais, o Estado do Brasil deve adotar medidas direcionadas à prevenção do envolvimento de crianças e adolescentes com o crime e a violência. Ela também destacou que o Estado deve, acima de tudo, implementar políticas de apoio às crianças, às suas famílias e comunidades, além de reforçar as políticas sociais que garantam o acesso a direitos para as comunidades mais excluídas, assim como ao sistema de proteção à infância previsto no ECA. Nas suas intervenções, também recomendou que o Brasil promovesse reformas nos sistemas de segurança, revisando as estratégias policiais direcionadas a um polícia mais amigável com a população, e esforçando-se para fortalecer a cidadania entre crianças e adolescentes.

A Relatora frisou a importância de se ouvir diretamente os jovens: “O que eu vi durante a minha visita é que nenhum adulto vê de forma tão clara ou fala sobre o contexto da violência como estas crianças. Enquanto os adultos escrevem teses e tece comentários longos, esses jovens podem expressar a situação em 5 minutos, pois esta é a sua experiência, e podem ser parte da solução.”

A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato surge a partir da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como mandato promover a observância dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na temática. A CIDH é composta por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sem representarem seus países de origem ou de residência.

No. 078/15