Imprensa e Comunicação da CIDH
Tel: +1 (202) 370-9001
cidh-prensa@oas.org
Santiago do Chile / Washington, D.C. – O Escritório para América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) expressam profunda preocupação com a recente aprovação pelo Congresso brasileiro de um projeto de lei (PL 44/2016) que altera o Código Penal Militar para que homicídios dolosos de civis cometidos por agentes das Forças Armadas sejam julgados por tribunais militares.
O ACNUDH e a CIDH têm argumentado há muitos anos que a investigação e o julgamento por tribunais militares de denúncias de violações de direitos humanos cometidas por militares, especialmente por supostas violações contra civis, impedem a possibilidade de uma investigação independente e imparcial realizada por autoridades judiciais não vinculadas à hierarquia de comando das próprias forças de segurança.
Os dois órgãos recordam que o Estado brasileiro ratificou vários instrumentos internacionais de direitos humanos que garantem a todas as pessoas julgamento por tribunais competentes, independentes e imparciais, tais como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
“A justiça militar deve apenas julgar militares acusados de crimes de caráter exclusivamente militar ou infrações de disciplina militar”, expressou o Representante para América do Sul do ACNUDH, Amerigo Incalcaterra. “A ampliação da jurisdição dos tribunais militares representa um grave obstáculo para um julgamento justo e imparcial, fere o princípio da igualdade perante a lei e relativiza as garantias do devido processo legal e também as normas internacionais de direitos humanos”, indicou.
O Sistema Interamericano de Direitos Humanos já enfatizou de forma consistente que a jurisdição militar não é competente para investigar e, sendo o caso, processar e punir os autores de supostas violações de direitos humanos. Para os países que ainda a mantêm, a jurisdição penal militar deve ter um alcance restritivo e excepcional, relacionada a bens jurídicos específicos de ordem militar, e nunca deve ter um papel na investigação de supostas violações de direitos humanos.
O ACNUDH e a CIDH saudaram reformas adotadas por vários países da região para restringir significativamente o alcance da jurisdição militar. As alterações ao Código Penal Militar do Brasil que ampliariam a jurisdição dos tribunais militares representam um franco retrocesso, contrário à Convenção Americana e aos padrões interamericanos e universais de direitos humanos.
“Este projeto de lei é incompatível com as obrigações internacionais assumidas pelo Brasil em matéria de direitos humanos”, afirmou o Presidente da Comissão Interamericana, Francisco Eguiguren. “Em particular, contraria os princípios da independência e imparcialidade judiciais e do juiz natural, fundamentais para a garantia de todos os direitos humanos nos âmbitos doméstico e internacional”, complementou o Comissário Eguiguren.
Por sua vez, o Relator da CIDH para o Brasil, Comissário James Cavallaro, ressaltou que "não é razoável o retrocesso de uma conquista tão importante do processo de redemocratização do Brasil na década de 80. A indesejável atuação das Forças Armadas na segurança pública atualmente existente no Brasil é o principal motivo para não se ter um foro diferenciado. A proteção e a garantia dos direitos individuais no Estado de Direito contra possíveis abusos de poder baseiam-se precisamente na ideia de que todos respondem igualmente perante a lei, sem foros diferenciados".
O ACNUDH também recorda e destaca que o Relator Especial da ONU contra a tortura recomendou ao Brasil, no ano de 2016, que assegurasse que as denúncias e violações cometidas por agentes militares contra civis sejam processadas por tribunais civis.
Por último, o ACNUDH e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos ressaltam que se dirigiram ao Estado brasileiro com preocupações sobre o referido projeto de lei previamente à sua aprovação. Em setembro deste ano, o Escritório Regional do ACNUDH enviou uma comunicação para o Senado Federal do Brasil expressando sua apreensão sobre o referido projeto de lei, à luz das normas internacionais de direitos humanos. A Comissão Interamericana, por sua vez, também solicitou informação ao Estado do Brasil mediante carta enviada em 20 de setembro de 2017, sobre a natureza do referido projeto de lei, seu conteúdo e sua conformidade com as obrigações compreendidas na Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
De acordo com informação disponível, o projeto de lei aprovado segue para sanção ou veto presidencial nos próximos dias. Assim, o ACNUDH e a CIDH instam a que se vete integralmente o projeto de lei por ser incompatível com as normas internacionais de direitos humanos ratificadas pelo Brasil.
A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato surge a partir da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como mandato promover a observância e defesa dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na temática. A CIDH é composta por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sem representarem seus países de origem ou de residência.
O Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ACNUDH) tem o mandato de promover e proteger o desfrute e a realização plena, para todas as pessoas, de todos os direitos contemplados na Carta das Nações Unidas, bem como nas leis e nos tratados internacionais de direitos humanos. O ACNUDH realiza o seu trabalho à luz do mandato que lhe foi conferido pela Assembleia Geral das Nações Unidas em sua resolução 48/141. Sua sede internacional se encontra em Genebra, na Suíça. Já o Escritório Regional do ACNUDH para América do Sul está localizado em Santiago, no Chile, e cobre os seguintes países: Argentina, Brasil, Chile, Equador, Peru, Uruguai e Venezuela.
No. 160/17