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Washington, D.C. – A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) denuncia a escalada de ataques contra a imprensa e o fechamento de meios de comunicação, e a detenção arbitrária e persecução penal de jornalistas na Nicarágua. A Comissão também documentou a persistência de um padrão de detenções arbitrárias e ilegais, assim como condições de detenção que violam os direitos das pessoas privadas de liberdade e de suas famílias.
Durante as primeiras semanas do ano, o MESENI da CIDH recebeu informações sobre a detenção de Wilfredo Brenes Domínguez, Karla e Fernando Escobar Maldonado, e Ramón Javier Cerrato ocorrida no bairro Fox em 2 de janeiro, e a de Keneth Martínez, ocorrida no bairro Monimbó em 3 de janeiro. Para realizar estas detenções, a Polícia teria despachado aproximadamente trinta oficiais antimotins acompanhados por cachorros. Além disso, em 11 de janeiro, no povoado El Jícaro, em Nueva Segovia, foram detidos Jorge García e Salvador Orozco por realizar pinturas de protesto contra o Governo em letreiros públicos. No momento da detenção, estes foram levados à delegacia de El Jícaro, e depois à delegacia departamental de El Jocotal. No entanto, durante quatro dias após a sua detenção, os seus familiares não tiveram informações precisas sobre o seu paradeiro, nenhum dos dois foi apresentado perante um juiz, nem se sabia que acusação recaía sobre os mesmos para justificar a sua detenção. Finalmente, Jorge García e Salvador Orozco foram liberados da delegacia de polícia em 19 de janeiro.
Os fatos citados demonstram a gravidade da persistência de um padrão de detenções arbitrárias ininterrupto, segundo o qual a detenção preventiva perde a sua função cautelar e constitui a regra geral para castigar aqueles que manifestam a sua dissidência com o Governo. A CIDH recorda ao Estado que uma detenção é ilegal ou arbitrária quando ocorre fora das hipóteses previstas em lei, ou quando é utilizada para fins diferentes aos previstos e sem as estritas formalidades estabelecidas na norma. A CIDH considera, ainda, que as detenções ilegais e arbitrárias constituem verdadeiras penas aplicadas sem que se haja respeitado o devido processo legal.
A Comissão também nota com profunda preocupação o aumento das denúncias de maus tratos e castigos físicos contra mulheres e homens recluídos nas cárceres conhecidas como La Esperanza e La Modelo. Através do MESENI, a Comissão tomou conhecimento de que na noite de 31 de dezembro, na penitenciária La Modelo, um grupo de agentes antimotins armados com fuzis de guerra AK-47, gás de pimenta e cachorros, agrediram um grupo de internos que havia cantado o hino nacional. Também recebeu informações sobre as pancadas recebidas por Francisco Sequeira em 11 de janeiro, enquanto recluído nas celas de segurança máxima da penitenciária La Modelo. A agressão teria sido cometida por vários funcionários como represália pela eventual gravação de um vídeo no qual o interno Chester Membreño teria comunicado o seu testemunho desde o interior do recinto penitenciário. O senhor Sequeira teria sido encharcado com gás de pimenta e, após a agressão, deixado em uma cela sem atenção médica. Similares denúncias também chegaram até a Comissão sobre a agressão contra Kenia Gutiérrez em 16 de janeiro, enquanto estava recluída na penitenciária La Esperanza. Segundo a denúncia pública, esta detenta teria comparecido à sua primeira audiência judicial com marcas visíveis de pancadas nos braços, as quais teriam sido infligidas por uma funcionária penitenciária como represália por ter fornecido água a outra detenta. No mesmo contexto, a CIDH tomou conhecimento de que nos dias 23 e 24 de janeiro, agentes penitenciários realizaram buscas nas galerias 16-1 e 16-2 da penitenciária La Modelo, e inutilizaram os alimentos não perecíveis das pessoas privadas de liberdade no local. Além disso, teriam confiscado vários utensílios e produtos de primeira necessidade que regularmente são trazidos pelos familiares dos presos para o seu asseio pessoal, o que poderia afetar suas condições de saúde e integridade.
A Comissária Antonia Urrejola, Relatora para a Nicarágua, expressou que "se trata de um conjunto de práticas que evidenciam o uso da privação de liberdade como um modo de criminalizar, punir e neutralizar o protesto social, desnaturalizando as funções excepcionais que deveria possuir a privação de liberdade em uma sociedade democrática e respeitosa dos direitos humanos.” A Comissária acrescentou: “reitero o chamado ao Estado para que cesse com a repressão, assim como as violações aos direitos humanos das pessoas privadas de liberdade e de seus familiares, e restabeleça as garantias do devido processo.”
Adicionalmente, a CIDH recebeu informações sobre pessoas privadas de liberdade que não estariam recebendo a devida atenção médica. Neste contexto, a CIDH expressa a sua especial preocupação com o caso de María Mercedes Chavarría, que se encontra com uma parte importante de seu corpo paralisada, sem que tenha recebido informações sobre o seu estado de saúde, nem lhe tenham fornecido a atenção médica requerida. Também recebemos antecedentes sobre a operação de reparação do marca-passo à qual foi submetida Ruth Matute em 7 de janeiro, que também está presa na penitenciária La Esperanza, e teve que ser submetida a uma operação de extrema urgência devido à falta de atenção das autoridades penitenciarias com a séria condição médica padecida por ela.
A Comissão expressou em reiteradas ocasiões que a falta de atenção médica adequada a pessoas privadas de liberdade constitui uma grave violação aos direitos humanos. A CIDH recorda novamente às autoridades do Estado da Nicarágua sobre a sua iniludível obrigação de garantir a integridade física das pessoas que estão sob a sua custódia e proporcionar as condições sanitárias e de atenção médica adequadas. A Comissão ressalta que o descumprimento desta obrigação, em particular se tratando de pessoas confinadas sob o controle de agentes estatais, constitui uma séria violação de direitos humanos.
O Relator para Pessoas Privadas de Liberdade, Comissário Joel Hernández, expressou que “as condições de reclusão devem levar em consideração o dever especial de proteção do Estado com a integridade e a saúde das pessoas recluídas.” Além disso, acrescentou que “o Estado da Nicarágua deve modificar as práticas em seu sistema penitenciário para cumprir com os parâmetros a que está obrigado.”
Sobre a situação das pessoas privadas de liberdade, a CIDH observa que a delegação do Parlamento Europeu que visitou a Nicarágua em 23 de janeiro de 2019 teve acesso a pessoas detidas nos centros de detenção denominados La Esperanza e El Chipote. Apesar da visita confirmar as preocupações sobre a saúde das pessoas presas e sobre as condições gerais de reclusão, a CIDH toma nota da abertura do Governo para facilitar a visita e o contato com os detentos.
Nas últimas semanas, continuou a ofensiva para fechar e censurar meios de comunicação independentes, deter e encarcerar jornalistas, e forçar ao exílio os nomes mais importantes do jornalismo nicaraguense. A CIDH já havia denunciado os ataques contra a imprensa ocorridos desde o início da crise, dentre os quais La Prensa, El Confidencial, 100% Noticias, Radio Darío, Radio Mi Voz, Canal 12 e a equipe jornalística do Canal 10 da Nicarágua. (Comunicado R267/18). Neste mesmo âmbito, a Comissão recebeu informações sobre a criminalização de Lucía Pineda Ubau e Miguel Mora, Chefa de Redação e Diretor do canal de televisão 100% Noticias, os quais foram detidos em 21 de dezembro e, em seguida, acusados de “propor e conspirar para cometer atos terroristas, apologia e incitação para cometer crimes impulsionados pelo ódio”, juntamente com outros três trabalhadores da imprensa, Jaime Arellano, Jackson Orozco, e Luis Chavarría Galeano, que teriam abandonado o país.
A Polícia Nacional mantém o controle e ocupação das instalações e equipamentos das redações de 100% Noticias e do meio digital El Confidencial. A entidade reguladora das telecomunicações suprimiu da grade de canais de televisão por assinatura os canais com linhas editoriais independentes, como 100% Noticias. Além disso, o Canal 12 não mais transmite os programas “Esta Semana” e “Esta Noche”, que eram produzidos nas instalações de El Confidencial. As autoridades também continuam retendo na alfândega as importações de papel realizadas pelo tradicional jornal La Prensa, que publicou a sua capa em branco como uma forma de denunciar este novo mecanismo de censura, ao mesmo tempo em que anunciou o iminente fim de sua edição em papel em virtude desta medida.
Nos últimos três meses, mais de 60 jornalistas nicaraguenses foram forçados ao exílio, devido a ameaças provenientes de distintos grupos controlados pelo Estado. Paralelamente, o Governo favorece o duopólio que detém o controle da maior parte da televisão e da rádio na Nicarágua. De acordo com informações públicas, um desses grupos estaria constituído por membros da família do Presidente e da Vice-Presidenta do país.
“A democracia e o estado de direito são incompatíveis com a criminalização da imprensa independente. O uso do direito penal para castigar a emissão de informações ou opiniões, conforme um critério bastante cristalizado no Sistema Interamericano de Direitos Humanos, viola abertamente os seus preceitos. O Estado da Nicarágua deve cessar imediatamente os ataques contra a imprensa independente, e mostrar o mais breve possível o seu respeito aos princípios democráticos,” asseverou o Relator Especial para a Liberdade de Expressão da CIDH, Edison Lanza.
A CIDH e sua Relatoria Especial sobre Direitos Sociais, Culturais e Ambientais (REDESCA) manifestaram sua preocupação com a garantia dos direitos sociais na Nicarágua, em relação com os atos de repressão cometidos pelo Estado desde o início dos protestos sociais em abril de 2018. Recordando que tais protestos foram produto do anúncio de uma reforma da previdência social, a REDESCA da CIDH manifesta a sua preocupação diante da adoção do Decreto Presidencial No. 06-2019 sobre a matéria, publicado em 1 de fevereiro. Esse decreto inclui reformas ao “Regulamento Geral da Lei de Previdência Social” baseadas na resolução 1/325, de 28 de janeiro de 2019, do Conselho Diretivo do Instituto Nicaraguense de Previdência Social (INSS). Dentre outros aspectos, a reforma implica aumentos nas quotizações de trabalhadores e empregadores, omite qualquer referência à atualização periódica das aposentadorias, que hoje é de 5% ao ano, e introduz modificações no cálculo das mesmas que podem significar uma diminuição de até 30% nas novas pensões. Recordando o caráter progressivo dos direitos sociais e ambientais, a REDESCA expressa a sua preocupação pelo caráter prima facie regressivo de tais reformas, e o seu potencial impacto negativo para os direitos humanos da população nicaraguense, especialmente para os direitos laborais, o direito à previdência social e os direitos das pessoas idosas.
A CIDH e a REDESCA também receberam informações indicando que as reformas são decretadas sem um apropriado processo de consulta, informação e diálogo com os diferentes setores atingidos. Um Decreto Presidencial não é a via adequada para a realização de reformas que afetam direitos sociais e possam implicar retrocessos em relação aos níveis de progresso já alcançados pela Nicarágua no cumprimento das obrigações relativas a DESCA. A CIDH e sua REDESCA recordam que o cumprimento das obrigações derivadas dos instrumentos interamericanos e universais vigentes requer que qualquer medida que impacte o desenvolvimento progressivo dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais, seja cuidadosamente considerada e plenamente justificada no contexto do aproveitamento pleno do máximo dos recursos disponíveis. Além disso, a tomada de decisões deve advir de processos transparentes e amplamente informados, assegurando uma ampla e efetiva participação social que permita às autoridades avaliar o impacto e considerar seriamente todas as alternativas diferentes à adoção de medidas de natureza regressiva.
A REDESCA também reitera que uma reforma ao sistema de previdência social deve considerar não somente uma perspectiva econômica ou financeira, mas também fundamentalmente de direitos humanos. “Qualquer processo de reforma legislativa que afete direitos sociais deve garantir a participação cidadã e avaliar exaustivamente o impacto para a realização de tais direitos antes da sua adoção,” manifestou Soledad García Muñoz, Relatora Especial sobre DESCA da CIDH.
A CIDH solicita que se restabeleçam urgentemente as condições próprias de um estado de direito na Nicarágua. O Secretário Executivo da CIDH, Paulo Abrão, destacou: “É muito preocupante que juntamente com o fechamento paulatino dos espaços democráticos no país, também persistam as ameaças à integridade e à liberdade das pessoas. Adicionalmente, reiteramos o chamado para que o Governo da Nicarágua se abra ao escrutínio internacional em matéria de direitos humanos.”
A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato surge a partir da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como mandato promover a observância e defesa dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na temática. A CIDH é composta por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sem representarem seus países de origem ou de residência.
No. 026/19