Imprensa da CIDH
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Washington, D.C. – A Relatoria Especial sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (REDESCA) da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) recebeu com preocupação reiterados relatos que indicam a existência de um padrão de discriminação e ameaças de represálias por parte das autoridades do Estado da Nicarágua com implicações sobre os direitos ao trabalho e à saúde de pessoas opositoras ou críticas do Governo.
Assim, exemplificativamente, a REDESCA teve conhecimento de que em 10 de abril passado, em uma reunião com trabalhadores estatais, representantes departamentais da Frente Nacional de Trabalhadores e do Ministério da Saúde em Carazo, houve a advertência de que as trabalhadoras e os trabalhadores que não estivessem de acordo com as recomendações do governo seriam demitidos. Ao mesmo tempo, foi indicado que só seriam contratadas pessoas que possuíssem um carnê de militância do partido oficial, além de se revisar se os atuais funcionários e funcionárias públicas o possuíssem. Também teria sido instruído que, em caso de novas manifestações sociais, não deveria ser prestada assistência médica a ninguém relacionado aos protestos, e inclusive se advertiu que não se deveria ter contato ou dialogar com pessoas associadas aos movimentos de oposição. Orientações do mesmo tipo teriam se repetido durante o mês de julho de 2019 em outras cidades, como Jinotepe, León e Somoto. Nesta última cidade, dirigentes da Federação de Trabalhadores da Saúde (Fetsalud), teriam ameaçado despedir os trabalhadores considerados "traidores" do partido oficial, por, entre outras razões, terem atendido a pessoas manifestantes feridas durante os protestos.
Em geral, a CIDH, mediante o Mecanismo Especial de Acompanhamento para Nicarágua (MESENI), e sua REDESCA tomaram conhecimento de maneira constante de denúncias do pessoal da saúde de hospitais públicos por terem recebido instruções de não atenderem a manifestantes feridos sob ameaça de demissão ou detenção. Também manifestaram sua preocupação por fatos de perseguição posterior e ações de intimidação que ditos profissionais teriam sofrido por terem desobedecido dita orientação, o que, em diversas situações, provocou a necessidade da sua saída do país.
O acima exposto foi matéria de pronunciamento público por parte da CIDH e sua REDESCA em diversas oportunidades, como por exemplo, no pronunciamento de 10 de setembro de 2018, quando se lamentou que o Estado da Nicarágua não deu resposta a uma carta de pedido de informação sobre a situação dos profissionais da saúde demitidos até esse momento. Previamente, em comunicados de 2 e 24 de agosto de 2018, a CIDH instou o Estado a cessar a estigmatização contra essas pessoas e a REDESCA afirmou que a proteção do direito ao trabalho implica em abster-se de adotar qualquer represália laboral por se exercer a liberdade de expressão ou por haver cumprido suas funções para preservar o direito à saúde no contexto da crise pela qual atravessa o país. Em 19 de dezembro do mesmo ano a CIDH também condenou enfaticamente a deterioração da situação dos direitos humanos e do Estado de Direito na Nicarágua, onde, entre várias consequências graves, se identificou a demissão de dezenas de profissionais da saúde por exercerem seu trabalho ou por terem uma posição crítica ao governo. Mais recentemente, a Unidade Médica Nicaraguense indicou que a cifra de demitidos teria alcançado aproximadamente 410 trabalhadores da saúde.
A REDESCA também teve conhecimento da denúncia de que, em começos de 2019, o Coordenador Cultural do Ministério da Educação teria advertido a funcionários e funcionárias do Ministério de que não se pronunciassem conta o governo, com o risco de serem demitidos. "Esta é uma indicação institucional, aqui o que boicota o projeto se separa automaticamente, sem nenhum apelo", teria declarado o funcionário do governo. Ainda, os trabalhadores e trabalhadoras da referida repartição teriam denunciado que estariam sendo vigiados, sendo seguidos até às suas casas após o trabalho.
Da mesma forma, em Madriz e Estelí, funcionários do Ministério da Saúde, Educação e do Poder Judiciário denunciaram, em abril passado, que alguns sindicalistas alinhados com o Governo os estariam obrigando a mostrarem seus celulares todos os dias ao ingressarem e saírem do trabalho para que fossem revisados os seus contatos, conversas e mensagens em redes sociais, serviços de mensagens instantâneas e seus correios eletrônicos pessoais, além de manter vigilância nas casas das e dos trabalhadores. Por outro lado, o Partido Indígena Yátama denunciou publicamente que empregados públicos teriam sido ameaçados, requerendo-se a entrega de listas de familiares sob a ameaça de demissões, frente aos comícios regionais de março passado, para forçá-los a votar pelo partido oficial.
A REDESCA vê com preocupação que representantes do Estado estejam limitando o exercício do direito à saúde e do direito ao trabalho às pessoas que expressem opiniões distintas às do Governo de turno. Nesse sentido, recorda que é uma obrigação imediata do Estado respeitar e garantir o direito à igualdade e não discriminação no usufruir dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais.
Para a REDESCA, a exigência de respaldar o governo de turno ou obter o carnê do partido oficial como condição para acessar ou manter um posto de trabalho, ou a limitação do acesso aos serviços de saúde por participar em protestos ou manifestações contra o Governo constituem ações discriminatórias por razões políticas que afetam o conteúdo básico de ditos direitos. Isto é, a existência de condições relacionadas à filiação, à militância ou a opiniões políticas, que estariam sendo requeridas pelo Estado da Nicarágua resultam contrárias aos princípios de igualdade e não discriminação em relação aos direitos ao trabalho e à saúde.
Nessa linha, recorda-se que a CIDH, no capítulo IV. B. do Relatório Anual 2018, concluiu que as restrições a esses direitos demarcam um padrão de repressão sistemática. Ressaltou-se, de modo específico, que "afim de manter uma estrutura estatal de absoluto controle do poder executivo, foi possível corroborar que serviços essenciais (como a atenção a emergências médicas), são privados em relação à afiliação política da pessoa afetada. Do mesmo modo, não é permitido que profissionais da saúde possam exercer livremente sua profissão, estando seu trabalho limitado por razões políticas." Em tal sentido, a Relatora Especial sobre DESCA, Soledad García Muñoz, fez notar que "a persistência até o presente das referidas práticas são uma evidência preocupante de um padrão discriminatório generalizado e sistemático que afeta gravemente a vigência do direito à saúde e do direito ao trabalho na Nicarágua".
De acordo com o acima exposto, a REDESCA faz um chamado urgente ao Estado da Nicarágua para que cesse de imediato ditas práticas discriminatórias que afetam o exercício dos direitos ao trabalho e à saúde, e que geram um efeito de intimidação pelas possíveis represálias e debilita seriamente os esforços de contribuir à superação da crise de direitos humanos que enfrenta o país.
A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato surge a partir da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como mandato promover a observância e defesa dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na temática. A CIDH é composta por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sem representarem seus países de origem ou de residência.
No. 208/19