Liberdade de Expressão

2019

DECLARAÇÃO CONJUNTA DO VIGÉSIMO ANIVERSÁRIO: DESAFIOS PARA A LIBEDADE DE EXPRESSÃO NA PRÓXIMA DÉCADA

 

O Relator Especial das Nações Unidas (ONU) para a Liberdade de Opinião e Expressão, o Representante da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) para a Liberdade dos Meios de Comunicação, o Relator Especial da Organização dos Estados Americanos (OEA) para a Liberdade de Expressão e a Relatora Especial para a Liberdade de Expressão e Acesso à Informação da Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos (CADHP),

 

Tendo analisado estas questões em conjunto com a colaboração de ARTIGO 19, Global Campaign for Free Expression, o Centro para a Lei e Democracia (Centre for Law and Democracy, CLD);

 

Relembrando e reafirmando nossas Declarações Conjuntas de 26 de novembro de 1999, 30 de novembro de 2000, 20 de novembro de 2001, 10 de dezembro de 2002, 18 de dezembro de 2003, 6 de dezembro de 2004, 21 de dezembro de 2005, 19 de dezembro de 2006, 12 de dezembro de 2007, 10 de dezembro de 2008, 15 de maio de 2009, 3 de fevereiro de 2010, 1 de julho de 2011, 25 de junho de 2012, 4 de maio de 2013, 6 de maio de 2014, 4 de maio de 2015, 4 de maio de 2016, 3 de março de 2017 e 2 de maio de 2018;

 

Advertindo que, durante vinte anos, nós, os mandatos intergovernamentais para a liberdade de expressão e liberdade dos meios de comunicação, temos emitido Declarações Conjuntas com o objetivo de interpretar as garantias de direitos humanos para a liberdade de expressão. Com isso, temos orientado governos, organizações da sociedade civil, profissionais do direito, jornalistas e meios de comunicação, acadêmicos e empresários.

 

Destacando que as Declarações Conjuntas têm contribuido para o estabelecimento das normas autorizadas que abordam uma variedade de assuntos e desafios e que também ressaltam a importância da liberdade de expressão para a democracia, o desenvolvimento sustentável, a proteção de todos os demais direitos e as medidas para enfrentar o terrorismo, a propaganda e a incitação da violência.

 

Alarmados pela persistência da violência e da perseguição contra jornalistas, ativistas do direito à informação, pessoas defensoras de direitos humanos, entre outros, por exercer seu livre direito à liberdade de expressão, assim como também o pelo fato de que a impunidade com relação a assassinatos e ataques ainda persiste;

 

Celebrando as contribuições significativas das tecnologías digitais com respeito à expansão das comunicações globais e a possibilidade de que pessoas do mundo inteiro tenham acesso à informação e ideias, possam expressar-se e serem escutadas; ao mesmo tempo, advertindo a necessidade persistente de proporcionar acesso universal e acessível ao serviço de internet;

 

Reconhecendo a necessidade de abordar, dentro do contexto do direito internacional dos direitos humanos, os problemas graves que surgem no contexto das tecnologias digitais, entre os quais se encontram a desinformação; a incitação ao ódio; a discriminação e a violência; o recrutamento e a propaganda terroristas; a vigilância arbitrária e ilegal; a interferência a respeito do uso de tecnologias de encriptação e o anonimato, e o poder dos intermediários online;

 

Expressando nossa preocupação com relação a ameaças persistentes e crescentes contra a diversidade e a independência dos meios devido à, entre outros motivos, significativa redução das receitas publicitárias na mídia tradicional, o que prejudica a produção de notícias e, particularmente, o jornalismo investigativo local; o aumento na concentração da propriedade dos meios de comunicação, o controle político sobre recursos financeiros insuficientes para a mídia de serviço público; falhas no desenvolvimento sustentável da radiodifusão comunitária e tentativas persistentes de controlar a mídia privada, inclusive por meio de regulamentação;

 

Denunciando a prevalência contínua de restrições legais indevidas sobre a expressão online e sua aplicação abusiva, e destacando a importância dos Estados respeitarem as obrigações estabelecidas no artígo 19 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos ao impor restrições à liberdade de expressão, o que inclui garantir que todas as restrições sejam necessárias e adequadas, e assegurar a disponibilidade de uma supervisão judicial independente com respeito à aplicação de ditas restrições;

 

Repudiando os apagões e disrupções arbitrárias para restringir o acesso às redes de telecomunicação e internet;

 

Destacando a importância do direito de acesso à informação disposto pelas autoridades públicas, segundo estabelecido nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, Indicador 16.10;

 

Observando que empresas privadas têm a responsabilidade de respeitar os direitos humanos e reparar violações, e que para abordar os desafios resumidos anteriormente se requere o apoio de múltiplas partes interessadas e à participação ativa dos atores dos países, os meios de comunicação, os intermediários, a sociedade civil e o público;

 

Adotamos em Londres, em 10 de julho de 2019, a seguinte Declaração Conjunta do Vigésimo Aniversário: Desafios para a Liberdade de Expressão na Próxima Década

 

  1. Criação de um ambiente que permita o exercício da liberdade de expressão

A proteção e a promoção da liberadade de expressão requerem normas legais e sistemas regulatórios que a protejam de maneira adequada, especialmente no caso do ambiente digital, mas não unicamente neste. A fim de criar ambientes propícios para a liberdade de expressão, os Estados devem:

a.         Tomar medidas imediatas e significativas para proteger a segurança dos jornalistas e outras pessoas que sejam atacadas por exercer seu direito à liberdade de expressão e para eliminar a impunidade de ditos ataques.

b.        Assegurar a proteção da liberdade de expressão dos marcos legais internos, regulatórios e regulamentários respeitando as normas internacionais, incluindo a limitação das restrições penais à liberdade de expressão para não dissuadir o debate público sobre assuntos de interesse público.

c.         Promover a diversidade dos meios, mediante o apoio e à expressão de grupos marginalizados que estejam em risco de discriminação; o desenvolvimento de regras quanto à transparência da propriedade dos meios e a infraestrutura das telecomunicações; a adoção e a implementação de regras eficazes sobre o acesso à informação, e a definição cuidadosa de restrições de conteúdo segundo o direito internacional dos direitos humanos.

d.        Assegurar que as entidades reguladoras dos meios de comunicação sejam independentes, funcionem de maneira transparente e respondam ao público, além de respeitar o princípio do alcance limitado da regulamentação e proporcionem supervisão dos atores privados.

e.         Abordar os desafíos económicos mais importantes que os jornalistas e os meios de comunicação independente enfrentam, mediante o apoio aos meios locais e desenvolver regulações para mitigar os impactos negativos causados pelo domínio das empresas de publicidade online.

f.         Respeitar as normas internacionais de direitos humanos, incluídas aquelas relacionadas à transparência, ao tentar regular ou influenciar nas expressões que circulam nas plataformas e meios online.

g.         Abster-se de realizar restrições arbitrárias ou ilegais ao uso das tecnologias de encriptação e anonimato.

h.        Tomar medidas imediatas a longo prazo para proibir a vigilância ilegal e arbitrária e o tráfico irresponsável de ferramentas da indústria comercial de spyware, que possuam efeitos prejudiciais consideráveis sobre o exercício da liberdade de opinião e expressão.

i.          Dar devida atenção e proporcionar recursos para a alfabetização digital, assim como para a compreensão da informação e das comunicações digitais a curto e longo prazo.

 

  1. Criação e mantenimento de um serviço de internet livre, aberto e inclusivo

O exercício da liberdade de expressão requere uma infraestrutura digital que seja robusta, universal e cuja regulamentação garantize que permaneça sendo um espaço livre, acessível e aberto para todas as partes interessadas. Durante os próximos anos, os Estados e outros atores devem:

a.         Reconhecer o direito ao acesso e uso da internet como um direito humano e uma condição essencial para o exercício do direito à liberdade de expressão.

b.        Proteger a liberdade de expressão segundo o direito internacional dos direitos humanos na legislação que possa ter impacto no conteúdo online.

c.         Abster-se de impor dosconexões ou apagões da rede de internet ou das telecomunicações.

d.        Expandir significativamente as iniciativas para proporcionar um acesso universal e acessível à internet.

e.         Respeitar e assegurar o princípio de neutralidade de rede.

f.         Assegurar que os desenvolvimentos tecnológicos mais importantes, como a transição às redes móveis 5G e a expansão da internet das coisas (IoT) respeitem os direitos humanos, em particular mediante devida diligência ao respeito pelos direitos humanos no desenvolvimento de infraestruturas, serviços de rede, interoperabilidade e privacidade desde a concepção.

g.         Evitar medidas que poderiam causar a fragmentação da internet e limitar o acesso à internet global.

 

  1. Controle privado como ameaça à liberdade de expressão

Uma característica transformadora do ambiente das comunicações digitais é o poder das empresas privadas e, particularmente, das redes sociais, as plataformas de busca e outros intermediários, sobre as comunicações, com um poder enormes concentrado nas mãos de poucas empresas. Para proteger a liberdade de expressão frente ao domínio privado sem prestação de contas suficiente, instamos o desenvolvimento das seguintes medidas:

a.         Desenvolver mecanismos de supervisão que contem com independência e transparência e envolver múltiplas partes interessadas para abordar as regras de moderação do conteúdo privado que poderiam ser contrárias ao direito internacional dos direitos e interferir com o direito das pessoas a exercer sua liberdade de expressão.

b.        Medidas regulatórias que abordem os modelos de negócios dependendes da publicidade de algumas empresas de tecnologia digital que incentivam um ambiente que pode ser utilizado para a viralização, inter alia, de enganos, desinformação e expressões de ódio.

c.         Implementar um marco de responsabilidades das empresas segundo os Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos da ONU, respaldado por regulações ou supervisão do país para mitigar os danos aos direitos humanos, mediante o desenvolvimento de compromissos, de políticas e avaliações públicas do impacto persistente nos direitos humanos.

d.        Soluções jurídicas e tecnológicas que permitam a moderação transparente e algorítmica do conteúdo, com a possibilidade de auditar completamente os dados informados por inteligência artificial.

e.         Implementar soluções relacionadas aos direitos humanos para enfrentam os desafios causados pela desinformação, incluído a possibilidade crescente de falsificações profundas de maneira transparente, responsável e orientada, mediante enfoques que cumpram com as normas do direito internacional, a legitimidade do objetivo e a necessidade e os princípios de necessidade e proporcionalidade.

f.          Estabelecer regras e sistemas eficazes para abordar a concentração indevida de propriedade e as práticas que representem um abuso da posição dominante no mercado com respeito às empresas que proporcionam serviços de comunicação digital.

  

ANEXO

 

LISTA DE DECLARÇÕES CONJUNTAS DE ANOS ANTERIORES (EM ESPANHOL)

  • 1999: Primeira Declaração Conjunta dos Relatores para a Liberdade de Expressão
  • 2000: Declaração Conjunta sobre Censura através do Assassinato e da Difamação
  • 2001: Declaración Conjunta sobre los Desafíos del Nuevo Siglo para la Libertad de Expresión
  • 2002: Declaração Conjunta sobre Liberdade de Expressão e Administração da Justiça, Comercialização e Liberdade de Expressão, e Difamação Penal
  • 2003: Declaração Conjunta sobre a Regulação dos Meios de Comunicação, as Restrições aos Jornalistas e a Investigação da Corrupção
  • 2004: Declaração Conjunta sobre Acesso à Informação e sobre a Legislação que Regula o Sigilo
  • 2005: Declaração Conjunta sobre Internet e sobre Medidas Antiterroristas
  • 2006: Declaração Conjunta sobre a Publicação de Informações Confidenciais, a Abertura dos Órgãos Públicos Nacionais e Internacionais, a Liberdade de Expressão e Tensões Culturais e Religiosas, e a Impunidade em Casos de Ataques contra Jornalistas
  • 2007: Declaração Conjunta sobre Diversidade na Radiodifusão
  • 2008: Declaração Conjunta sobre Difamação de Religiões e sobre Legislação Antiterrorista e Antiextremista
  • 2009: Declaração Conjunta sobre Meios de Comunicação e Eleições 2010: Declaración Conjunta del Décimo Aniversario: Diez Desafíos Claves para la Libertad de Expresión en la Próxima Década
  • 2011: Declaração Conjunta sobre Liberdade de Expressão e Internet
  • 2012: Declaração Conjunta sobre Delitos contra a Liberdade de Expressão
  • 2013: Declaração Conjunta sobre Proteção da Liberdade de Expressão e a Diversidade na Transição Digital Terrestre
  • 2014: Declaração Conjunta sobre Universalidade e o Direito à Liberdade de Expressão
  • 2015: Declaração Conjunta sobre Liberdade de Expressão e Respostas às Situações de Conflito
  • 2016: Declaração Conjunta sobre Liberdade de Expressão e Combate ao Extremismo Violento
  • 2017: Declaração Conjunta sobre Liberdade de Expressão e "Notícias Falsas" ("Fake News"), Desinformação e Propaganda
  • 2018: Declaração Conjunta sobre a Independência e a Diversidade dos Meios de Comunicação na Era Digital