PREÂMBULO
AFIRMANDO a convicção de que as liberdades de expressão e informação são fundamentais para a própria existência de toda sociedade democrática e essenciais para o progresso, o bem-estar e o desfrute de todos os direitos humanos;
RECONHECENDO que esses direitos são inerentes, que o Estado não os outorga nem os concede, tampouco pode desconhecê-los, e que por isso a sua proteção é indispensável;
RECORDANDO que os instrumentos internacionais e regionais que protegem esses direitos fundamentais impõem aos Estados a obrigação não apenas de observar, mas também de promover o respeito universal e efetivo aos direitos humanos (1);
RECONHECENDO as importantes iniciativas adotadas pela sociedade civil para efetivar esses direitos, em particular a Declaração de Chapultepec, a Declaração de Princípios sobre a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, e os Princípios de Johanesburgo;
SAUDANDO os importantes esforços empreendidos pelos Relatores Especiais para a Liberdade de Expressão das Nações Unidas e da Organização dos Estados Americanos para promover e proteger as liberdades de expressão e informação;
AFIRMANDO que é indispensável que as pessoas tenham acesso à informação em poder do Estado para assegurar que a conduta de seus governantes possa ser fiscalizada, para permitir que os cidadãos participem de forma plena em uma sociedade democrática e garantir o desfrute de outros direitos humanos.
CONSIDERANDO que a transparência reduz as possibilidades dos abusos de poder, que a liberdade de informação em situações de transição democrática contribui à verdade, à justiça e à reconciliação, e que a falta de informações dificulta a transição, minando sua credibilidade;
REITERANDO que a segurança nacional nunca justifica restrições à liberdade de expressão e acesso à informação que sejam contrárias ao interesse público em conformidade com esses princípios;
ACORDAMOS os seguintes princípios e urgimos que as autoridades, os funcionários e os indivíduos em âmbito local, nacional, regional e internacional se comprometam a adotar as medidas necessárias para promover sua difusão, aceitação e vigência.
1. O acesso à informação como direito humano
Toda pessoa tem direito à liberdade de buscar, receber, acessar e difundir informações sem interferência das autoridades públicas, censura prévia ou restrições indiretas pelo abuso de controles oficiais. Nenhuma pessoa é obrigada a justificar um pedido de informação no exercício deste direito. O acesso à informação é tanto um direito individual quanto uma exigência de uma sociedade democrática. Ele é um direito tanto das pessoas que o exercem de forma ativa quanto das que esperam receber a informação pelos meios de comunicação e/ou por fontes oficiais.
2. O acesso à informação em uma sociedade democrática
Todas as pessoas têm o direito de fiscalizar de modo efetivo o trabalho da administração estatal, dos poderes do Estado em geral e das empresas que prestam serviços públicos. Para exercer esse direito, necessitam conhecer as informações mantidas pelas autoridades. As autoridades devem estar legalmente obrigadas a disponibilizar às pessoas as informações que estas requeiram de forma oportuna e completa. É uma responsabilidade governamental criar e manter registros públicos de modo sério e profissional, para que o direito à informação possa ser exercido de forma plena. Nenhum registro poderá ser destruído arbitrariamente. Assim, é necessário haver uma política pública que preserve e desenvolva uma memória corporativa nas instituições governamentais.
3. Transparência e desenvolvimento
O acesso à informação é indispensável para o escrutínio e o debate adequado sobre as ações de governo. Essas condições são essenciais não apenas para a transparência na gestão exercida pelos órgãos públicos, mas também para evitar a corrupção e outros abusos de poder. Esse direito permite que as pessoas participem dos assuntos públicos e dos processos decisórios, e, em geral, permite identificar as responsabilidades dos servidores públicos, avaliar objetivamente os fatos e formar uma opinião, alcançando assim níveis mais altos de participação na vida política, econômica, social e cultural em um país.
4. Obrigação das autoridades
A informação pertence aos cidadãos. A informação não é propriedade do Estado e o acesso à informação não é um favor concedido pelo governo, que a mantém apenas na condição de representante dos cidadãos. O Estado e as empresas que prestam serviços públicos estão comprometidos a respeitar e garantir o acesso à informação a todas as pessoas e adotar as disposições legislativas ou de outra natureza que sejam necessárias para promover o respeito a esse direito e assegurar o seu reconhecimento e aplicação efetivos. O Estado tem a obrigação de promover uma cultura de transparência na sociedade e no setor público, de atuar com a devida diligência na promoção do acesso à informação, de identificar os responsáveis por prover a informação, e de prevenir os atos que neguem esse direito e punir seus infratores. A conduta de funcionários que neguem o acesso à informação e a existência de leis contrárias ao acesso violam este direito.
5. O jornalismo e o acesso à informação
É obrigação dos governos garantir e respeitar o exercício jornalístico e a liberdade e independência dos meios de comunicação. Para cumprir esse objetivo, devem-se assegurar aos jornalistas as condições para o acesso e a difusão da informação no exercício de sua profissão. Os funcionários públicos que interferirem nesse direito devem ser punidos.
6. Proteção das fontes jornalísticas
Nenhum jornalista pode ser obrigado pelo poder judiciário ou qualquer outro funcionário ou autoridade pública a revelar suas fontes de informação ou o conteúdo de suas anotações e arquivos pessoais e profissionais.
7. Legislação sobre acesso à informação
As leis, normas ou regulamentos que desenvolvam este direito devem garantir a máxima transparência e reconhecer que toda pessoa pode exercê-lo; que a informação pode ser obtida na forma indicada pelo(a) peticionário(a) ou pelo menos em seu formato original; que o(a) peticionário(a) deve arcar com os custos da busca e dos procedimentos subsequentes até a entrega ou transmissão da informação, mediante o pagamento de uma taxa que não excederá o custo do serviço; que o prazo para permitir o acesso ou entrega da informação deve ser oportuno e razoável; e que serão estabelecidas punições adequadas para os funcionários que se recusarem a prover a informação solicitada.
8. Exceções no acesso à informação
As exceções no acesso à informação só poderão ser reguladas por normas legítimas em nível constitucional e com status de lei, em conformidade com os princípios que orientam uma sociedade democrática, de forma restrita e sempre que sejam necessárias para a proteção da segurança nacional e/ou do direito legítimo do indivíduo à intimidade. Não se poderá manter uma informação em sigilo com base em normas não publicadas. As pessoas ou funcionários que não proporcionarem o acesso à informação solicitada deverão justificar sua negativa por escrito e demonstrar que ela está fundamentada em um regime restrito de exceções. Se o(a) peticionário(a) assim o requerer, uma autoridade judicial imparcial e competente poderá revisar a validade de tal negativa e ordenar a entrega da informação. É inaceitável que uma informação seja mantida em sigilo sob a égide de um conceito amplo e impreciso de segurança nacional. As restrições por motivo de segurança nacional só serão válidas quando visarem a proteger a integridade do país e em situações excepcionais de extrema violência que representem um perigo real e iminente de colapso da ordem democrática. Uma restrição com base na segurança nacional não é legítima se tiver o propósito de proteger os interesses do governo e não da sociedade em seu conjunto. As leis de privacidade não devem inibir nem restringir a investigação e difusão de informações de interesse público. Após definir os casos específicos de informações classificadas, a lei estabelecerá prazos e procedimentos razoáveis para a sua desclassificação tão logo o interesse de segurança nacional o permitir. Em nenhum caso, uma informação poderá ser mantida classificada por tempo indeterminado.
9. Proteção das fontes
Um(a) servidor(a) público(a) ou outra pessoa não estará sujeito(a) a qualquer punição por revelar uma informação, mesmo que esta seja classificada ou sigilosa, conforme mencionado acima, caso o interesse público em conhecer a informação prevaleça sobre as consequências da divulgação. Nestes casos, a pessoa poderá se beneficiar de proteção especial.
10. Proteção legal do acesso à informação
A autonomia e a independência do Poder Judiciário são fundamentais para garantir o direito de acesso à informação em caso de negativa pelas autoridades e funcionários públicos, ou de restrições ao seu exercício. Uma intervenção judicial ágil e imediata é indispensável para proteger este direito e gerar credibilidade pública e transparência no exercício do poder. Soma-se a esses mecanismos judiciais de proteção o direito de obter acesso a outras instituições, por exemplo, um Órgão de Provedoria, bem como às instâncias supranacionais estabelecidas para a tutela deste direito ou de outros direitos.
Qualquer disposição ou norma existente que seja contrária a esses princípios deverá ser revogada.
Lima 16 de novembro de 2000
(1) A Declaração Americana sobre os Direitos e Deveres do Homem e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, a Declaração Universal de Direitos Humanos, a Resolução 59(I) da Assembleia Geral das Nações Unidas, a Resolução 104 adotada pela Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.
ABID HUSSAIN
Relator Especial da ONU sobre Liberdade de Opinião e Expressão
SANTIAGO CANTON
Relator Especial da OEA para a Liberdade de Opinião e Expressão
ROBERT COX
Primeiro Vice-Presidente, Sociedad Interamericana de Prensa
RAFAEL MOLINA
Presidente, Comisión de Libertad de Prensa e Información de la Sociedad Interamericana de Prensa
ENRIQUE ZILERI
Presidente, Consejo de la Prensa Peruana
SAMUEL ABAD
Defensoria del Pueblo, Peru
FRANCES D´SOUZA
Westminster Foundation for Democracy, Reino Unido
MALCOLM SMART
Human Rights Watch, Estados Unidos
SANDRA COLIVER
International Foundation for Electoral Systems, Estados Unidos
HANS LANDOLT
Instituto de Defensa Legal, Peru
HUGO GUERRA
Diario El Comercio, Peru
KELA LEON
Consejo de la Prensa Peruana, Peru
GONZALO QUIJANDRIA
Apoyo Comunicaciones, Peru
MABE ARCE
Embaixada Britânica no Peru
MARTINE ANSTETT
Relatoria de Liberdade de Imprensa, Nações Unidas
LUIS PEIRANO
Pontificia Universidad Católica del Perú