A. Introdução[1]
1. O direito de liberdade de expressão contem aspectos fundamentais para o desenvolvimento e fortalecimento das sociedades democráticas. A liberdade de expressão consolida o resto das liberdades numa democracia ao facilitar a participação dos membros da sociedade nos processos de decisões; ao constituir-se como ferramenta para alcançar uma sociedade mais tolerante e estável e dignificar a pessoa humana através do direito de expressão, intercâmbio de idéias, opiniões e informação. A liberdade de expressão, portanto, provê de um marco no qual os conflitos inerentes a cada sociedade possam ser debatidos e resolvidos sem destruir o tecido social e ao mesmo tempo mantém o equilíbrio entre a estabilidade e a mudança. Tal como enuncia a Corte Interamericana de Direitos Humanos, a liberdade de expressão permite o debate aberto sobre os valores morais e sociais e facilita o discurso político, essencial para a consolidação da democracia.[2] Sendo assim, quando se obstaculiza a liberdade de expressão, a democracia perde sua dimensão social coletiva e permanente, tornando-se um simples acordo institucional formal no qual a participação social não é efetiva.
2. Tanto a Relatoria para Liberdade de Expressão como a comunidade internacional em geral reconhecem a importância que é outorgada ao direito de acesso a informação como via para alcançar políticas de transparência e fortalecer as democracias constitucionais. Em função do mandado designado pelos Chefes de Estado e do Governo durante a Terceira Cúpula das Américas reunida em Quebec, Canadá em abril de 2001, a Relatoria se compromete a realizar um seguimento anual sobre a adoção de novas leis e sistemas reguladores para o exercício do direito de acesso a informação e a ação de habeas data.[3]
3. Neste capítulo, a Relatoria realizou o seguimento das leis e práticas relativas ao direito de acesso a informação e a ação de habeas data nos trinta e cinco países que compõe a Organização de Estados Americanos.
4. Para isto, foi enviado um pedido oficial de informação aos Estados, baseado num questionário que incluía, entre outros temas, perguntas sobre a normativa constitucional e legal vigente, critérios de aplicação, aplicação do recurso, estatísticas e projetos de lei.
5. Paralelamente, a Relatoria buscou informação não oficial de Organizações Não Governamentais (ONG) nacionais e internacionais. Deste modo, a Relatoria pretendeu conhecer tanto a situação formal como a real, sem encontrar coincidência entre elas em muitos dos casos aqui apresentados.
6. Dos trinta e cinco países que integram a Organização dos Estados Americanos, somente dez responderam ao questionário enviado pela Relatoria através dos representantes de cada país.
7. Quanto aos resultados, destaca-se a falta de previsão constitucional e legal para garantir o acesso à informação pública na parte dos países do hemisfério. Na falta de uma legislação mais precisa, terminam-se adaptando-se normas genéricas que protegem -por exemplo- categorias tão amplas como "a liberdade dos indivíduos". É evidente que essa previsão não ajuda na aplicação de uma norma tão específica como o habeas data. Alguns países contam com uma legislação concebida para tal efeito, mas dado que sua linguagem é ambígua, às vezes, resulta numa prática em que o Estado nega proporcionar a informação, fazendo um uso abusivo de seu poder de discrição.
8. Do ponto de vista formal, existem claras diferenças entre os países que desenvolveram normativas constitucionais e legais e aqueles que ainda baseiam-se em normas gerais como "direito de amparo" ou "liberdade de expressão e opinião", para proteger o direito à informação. Dado que na maioria dos Estados membros o tema está sem sua fase inicial, a Relatoria recomenda aos Estados que impulsionem legislações para garantir ambos direitos de forma efetiva.
9. A seguir está um breve marco normativo sobre o direito de acesso à informação e a ação de habeas data seguido da apresentação da informação arrecadada sobre a normativa interna em relação a esta matéria dentro dos 35 países membros.
B. Marco Legal
10. Como marco de interpretação legal se toma o artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e a Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão da CIDH. A Relatoria consultou também, entre outras fontes, a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), a Lei Modelo de Acesso à Informação Administrativa para a Prevenção da Corrupção elaborada pela Oficina de Anti-Corrupção da OEA, os Princípios sobre Acesso à Informação da organização não-governamental Artigo 19, comentários da organizações não-governamentais Center for National Security Studies, Human Rights Watch e outras organizações independentes dedicadas à proteção dos direitos humanos e a liberdade de expressão.
1. Direito à Informação Dentro do Marco da Liberdade de Expressão
11. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos afirma em seu artigo 13.1 que o direito à liberdade de expressão e informação: compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda índole, sem consideração de fronteiras, oralmente, por escrito ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro procedimento de sua eleição.[4]
12. Com respeito ao alcance da liberdade de expressão e informação, a Corte Interamericana de Direitos Humanos assinalou que:
Quem está sob a jurisdição da Convenção tem não somente o direito à liberdade de expressar seu próprio pensamento, mas também o direito à liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda índole (…) a liberdade de expressão e informação requer, por um lado, que ninguém seja arbitrariamente menoscabado ou impedido de manifestar seu próprio pensamento e representa, portanto, um direito de cada indivíduo; mas implica também, por outro lado, um direito coletivo a receber qualquer informação e conhecer a expressão do pensamento alheio.[5]
13. O direito de acesso à informação é um requisito indispensável para o funcionamento da democracia. Num sistema democrático representativo e participativo, a cidadania exerce seus direitos constitucionais de participação política, votação, educação e associação entre outros, através de uma ampla liberdade de expressão e de um livre acesso à informação.
A publicidade da informação permite que o cidadão possa controlar [a gestão pública], não somente por meio de uma constatação dos mesmos com a lei, que os governantes comprometeram-se a cumprir, mas também exercendo o direito de petição e de obter uma transparente rendição de contas.[6]
14. A falta de participação da sociedade no conhecimento de informação que poderia afetá-los diretamente, impede o desenvolvimento amplo de sociedades democráticas exacerbando possíveis condutas corruptas dentro da gestão governamental e promovendo políticas de intolerância e discriminação. A inclusão de todos os setores da sociedade nos processos de comunicação, decisão e desenvolvimento é fundamental para que suas necessidades, opiniões e interesses sejam contemplados no desenho de políticas e na tomada de decisões. O interesse preferentemente tutelado no artigo 13 da Convenção é a formação da opinião pública através do intercâmbio livre de informação e uma crítica robusta da administração pública. Esta manifestação foi claramente fundamentada na opinião consultiva da Corte sobre Associação Obrigatória de Jornalistas ao considerar que:
O conceito de ordem pública infere que dentro de uma sociedade democrática se garantam as maiores possibilidades de circulação de notícias, idéias, opiniões, bem como o mais amplo acesso à informação por parte da sociedade em seu conjunto. A liberdade de expressão, portanto, se inserta na ordem pública da democracia, que não é concebível sem o debate livre e sem que a dissidência tenha pleno direito a manifestar-se. […]Tal como está concebido na Convenção Americana, [é necessário] que se respeite escrupulosamente o direito de cada ser humano de expressar-se livremente e o da sociedade em seu conjunto de receber informação.[7]
15. Tendo em vista a importância dada ao direito de informação como princípio de participação e fiscalização da sociedade, a Relatoria promoveu a necessidade de que os Estados membros incorporem dentro de sua normativa jurídica leis de acesso à informação e mecanismos efetivos para seu exercício eficiente, habilitando a sociedade em seu conjunto a efetuar opiniões reflexivas ou razoáveis sobre as políticas e ações tanto estatais como privadas que os afetam.
2. Acesso à Informação Pública
16. Como indicado anteriormente, um aspecto fundamental para o fortalecimento das democracias constitucionais é o direito à informação em poder do Estado. Este direito habilita a cidadania de um conhecimento amplo sobre as gestões dos diversos órgãos do Estado, dando-lhe acesso à informação relacionada com aspectos orçamentários, o grau de avanço no cumprimento de objetivos formulados e os planos do Estado para melhorar as condições de vida da sociedade em seu conjunto, entre outros.[8] O controle efetivo dos cidadãos sobre as ações públicas requer não somente uma abstenção por parte do Estado de censurar informação, mas também requer a ação positiva de proporcionar informação aos cidadãos. É evidente que sem esta informação, a que todas as pessoas tem direito, não se pode exerce a liberdade de expressão como um mecanismo efetivo de participação cidadã nem de controle democrático da gestão governamental.
17. Este direito cobra ainda maior importância por encontrar-se intimamente relacionado ao princípio de transparência da administração e a publicidade dos atos do Governo. Os Chefes de Estado e de Governo durante a Terceira Cúpula das Américas reconheceram que uma boa gestão dos assuntos públicos exige instituições governamentais efetivas, transparentes e publicamente responsáveis, e deram muita importância a participação cidadã através de sistemas de controle efetivos.[9] O Estado, neste sentido, constitui-se como um meio para alcançar o bem comum. Dentro deste contexto, o titular da informação é o indivíduo que delegou aos representantes o manejo dos assuntos públicos.
18. O princípio de transparência demanda uma posição serviçal da administração, aportando aquela documentação prévia, correta e claramente solicitada, na medida em que não se encontre temporariamente excluída do exercício de direito.[10]
19. Este controle, se faz ainda mais necessário quando um dos graves obstáculos para o desenvolvimento das instituições democráticas é a vigência de uma prática tradicional que promove a manutenção do segredo das ações da administração pública, exacerbando os altos índices de corrupção que afetam alguns Governos do hemisfério. Cabe destacar que a denegação de informação com o propósito de interesse genuíno de proteger a segurança nacional e a ordem pública não é inconsistente com a proteção dos direitos humanos, uma vez que o Estado seja responsável em demonstrar perante instâncias judiciais e independentes que esta restrição encontra-se expressamente fixada pela lei e é necessária para a proteção da democracia.[11]
20. Um dos fatores que afeta seriamente a estabilidade das democracias nos países do hemisfério é a corrupção. A falta de transparência nos atos do Estado afeta os sistemas econômicos e contribui para a desintegração social. A corrupção foi identificada pela Organização de Estados Americanos como um problema que requer uma atenção especial nas Américas. Durante a Terceira Cúpula das Américas, os Chefes de Estado e de Governo reconheceram a necessidade de reforçar a luta contra a corrupção posto que esta "menoscaba valores democráticos básicos representando uma ameaça a estabilidade política e ao crescimento econômico". O Plano de Ação da Terceira Cúpula promove a necessidade de apoiar iniciativas que permitam uma maior transparência para assegurar a proteção do interesse público e impulsionar os Governos a que utilizem seus recursos efetivamente em função do benefício coletivo.[12] Dentro deste contexto, a Relatoria considera que a corrupção somente pode ser adequadamente combatida através de uma combinação de esforços dirigidos a elevar o nível de transparência dos atos do Governo.[13] Portanto, qualquer política dirigida a obstaculizar o acesso à informação relativa a gestão estatal tem o risco de promover a corrupção dentro dos órgãos do Estado debilitando as democracias. O acesso à informação se constitui como forma preventiva contra estas práticas ilegais que açoitam os países do hemisfério.[14] A transparência dos atos do Governo pode ser incrementada através da criação de um regime legal, através do qual a sociedade tenha acesso a informação. Somente é possível governar com eficiência quando se responde de forma responsável às necessidades dos membros da sociedade através de um amplo acesso à informação. Neste contexto, a regra deve ser a publicidade dos atos de Governo para o bem comum e não a manipulação e a ocultação dos atos públicos.
21. A Corte Interamericana de Direitos Humanos assinalou que o acesso à informação em poder do Estado constitui um direito fundamental dos indivíduos e que os Estados estão obrigados a garanti-lo. [15]
22. O Princípio 4 da Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão da CIDH dispõe:
O acesso à informação em poder do Estado é um direito fundamental dos indivíduos. Os Estados estão obrigados a garantir o exercício deste direito. Este princípio somente admite limitações excepcionais que devem estar estabelecidas previamente pela lei para o caso que exista um perigo real e iminente que ameace a segurança nacional em sociedades democráticas.
23. O princípio 4 da Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão estabelece o parâmetro que o Estado deve seguir para negar informação em seu poder. Devido a necessidade de promover uma maior transparência dos atos do Governo como base para o fortalecimento das instituições democráticas dos países do hemisfério, as limitações a informação contida em arquivos em poder do Estado devem ser excepcionais. Estas devem estar claramente estabelecidas na lei e aplicável somente no caso que exista um dano substancial e iminente a um fim legítimo de política pública que a proteção desta informação supere o interesse público de estar informado.[16] Portanto, considera-se que o ato restritivo de acesso à informação deve ser resolvido em cada caso em particular.
24. Como enunciado neste princípio, o direito dos indivíduos a toda informação em poder do Estado não é um direito absoluto. O limite ao exercício deste direito encontra restrições permissíveis por motivos de ordem pública, de segurança nacional, de segredo fiscal ou bancário e/ou de proteção a honra ou a privacidade das pessoas. A Relatoria manifestou em diversas oportunidades a respeito do alcance destas restrições assinalando que estas não devem emanar do âmbito de discrição dos Estados, mas sim devem estar expressamente estabelecidas pela lei, destinadas a proteger um objetivo legítimo e ser necessárias para uma sociedade democrática. Aplicando o critério de proporcionalidade no exame dos direitos afetados, o acesso à informação de interesse público deve estar regido pelo princípio de presunção de publicidade aplicando as mínimas restrições e somente em casos excepcionais. Os critérios de reserva de informação devem ser estabelecidos de forma clara e precisa para permitir que entes jurídicos possam revisar tanto a legalidade como a razoabilidade da resolução à luz dos interesses afetados.[17]
25. A Corte Interamericana de Direitos Humanos entende que as restrições à liberdade de expressão e informação devem “ser julgadas fazendo-se referência às necessidades legítimas das sociedades e das instituições democráticas”, dado que a liberdade de expressão e informação é essencial para toda forma de Governo democrático.[18] Portanto, dentro deste contexto, o Estado deve assegurar que quando existe um caso de emergência nacional, a negação de informação em poder do Estado será imposta somente pelo período estritamente necessário pelas exigências das circunstâncias e depois modificado, uma vez concluída a situação de emergência.[19] A revisão da informação considerada de caráter classificada deve estar a cargo de uma instância judicial independente, capaz de balancear o interesse de proteger os direitos e as liberdades dos cidadãos com a segurança nacional.
3. Ação de Habeas Data
26. Uma das formas para garantir o direito à proteção contra informação abusiva, inexata ou prejudicial as pessoas é o acesso a bancos de dados tanto públicos como privados com a finalidade de atualizar, retificar, anular ou manter em reserva, no caso em que seja necessário, a informação do particular interessado. Esta ação conhecida como habeas data foi instituída como uma modalidade do processo de amparo para proteger a intimidade das pessoas. Mediante este procedimento, se garante a toda pessoa a aceder a informação sobre si mesma ou seus bens contida na base de dados de registros públicos ou privados, e se necessário, atualizar, retificar, anular ou manter reserva a informação com a finalidade de proteger certos direitos fundamentais.
27. O princípio 3 da Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão da CIDH estabelece:
Toda pessoa tem o direito a aceder a informação sobre si mesma ou seus bens de forma rápida e não onerosa, contida em base de dados, registros públicos ou privados e, se necessário, atualizá-la, retificá-la, ou emendá-la.
28. A ação de habeas data baseia-se nas três seguintes premissas: 1) o direito de cada pessoa a não ser perturbado em sua privacidade[20], 2) o direito de toda pessoa a aceder a informação sobre si mesma em bases de dados públicos e privados para modificar, anular ou retificar informação sobre sua pessoa por tratar-se de dados sensíveis[21], falsos, tendenciosos ou discriminatórios[22] e 3) o direito das pessoas a utilizar a ação de habeas data como mecanismo de fiscalização.[23] Este direito de acesso e controle de dados pessoais constitui um direito fundamental em muitos âmbitos da vida, pois a falta de mecanismos judiciais que permitam a retificação, atualização ou anulação de dados afetaria diretamente o direito à privacidade, a honra, a identidade pessoal, a propriedade e a fiscalização sobre a recopilação de dados obtidos.[24]
29. Esta ação adquire uma importância ainda maior com o avanço de novas tecnologias. Com a expansão do uso da computação e Internet, tanto o Estado como o setor privado têm a sua disposição de forma rápida uma grande quantidade de informação sobre as pessoas. Portanto, é necessário garantir a existência de canais concretos de acesso rápido a informação para modificar informação incorreta ou desatualizada contida nas bases de dados eletrônicas afim de proteger o direito à privacidade dos indivíduos.
30. O direito à intimidade é um dos direitos que se relacionam mais diretamente com os limites do exercício da liberdade de expressão e a liberdade de informação.
31. A Convenção Americana reconhece e protege o direito à privacidade, a honra e a reputação em seus artigos 13.2 e 11. Estes artigos reconhecem a importância da honra e a dignidade individual ao estabelecer a obrigação de respeitar ambos direitos, dispondo que estes direitos devem estar livres de interferências arbitrárias ou abusivas ou ataques abusivos, e que toda pessoa tem o direito a proteção da lei contra tais interferências ou ataques. A privacidade, portanto, é um direito que tem toda pessoa para preservar a vida privada do marco social claramente reconhecido pela lei.
32. A violação da privacidade geralmente ocorre na busca e difusão de informação. A Relatoria pontua que tanto o direito à privacidade e a reputação como o direito de liberdade de expressão não são absolutos e devem ser harmonizados e balanceados, de forma tal que não acarretem a negação de outros direitos. Com relação ao artigo 11, ainda que a Convenção não estabeleça as circunstâncias em que este direito pode ser restringido ou limitado, a Corte Interamericana entendeu que o artigo 32.2 da Convenção prescreve as regras interpretativas, as quais estão inseridas estas restrições , ao estabelecer que:
Os direitos de cada pessoa estão limitados pelo direitos dos demais, pela segurança de todos e pelas justas exigências do bem comum numa sociedade democrática.
33. Sendo assim, o direito à privacidade, de acordo com o estipulado pela Convenção, deve ser ditado de conformidade com leis legítimas e seu conteúdo e finalidade devem atender o bem comum e ser harmonizadas sem limitar indevidamente o direito a liberdade de expressão na busca e publicidade de informação de interesse público, entre outros.
34. Nos últimos anos a utilização da ação de habeas data tomou um caráter fundamental como instrumento de investigação das violações de direitos humanos cometidas durante as ditaduras militares no hemisfério. Este recurso, utilizado pelos familiares de pessoas desaparecidas, conhecido como "direito a verdade" foi instaurado como mecanismo de fiscalização na busca de dados relativos a conduta estatal , com a finalidade de conhecer o destino dos desaparecidos. O direito a investigação encontra contido no artigo IV da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem[25], o qual supõe uma obrigação por parte do Estado para facilitar o acesso a informação quando seu objeto é o de investigar dados, condutas ou políticas públicas.
35. No que se refere a relação entre o direito a verdade e o artículo 13.1 da Convenção Americana, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos entendeu no caso Barrios Altos perante a Corte Interamericana que:
[…] O direito a verdade se fundamenta nos artigos 8 e 25 da Convenção, na medida que ambos são "instrumentais" no estabelecimento judicial dos fatos e circunstâncias que rodeiam a violação de um direito fundamental. […] este direito está enraizado no artigo 13.1 da Convenção, posto que reconhece o direito de buscar e receber informação. […] em virtude deste artigo, sobre o Estado recai uma obrigação positiva de garantir informação essencial para preservar os direitos das vítimas, assegurar a transparência da gestão estatal e a proteção dos direitos humanos. [26]
36. A ação de habeas data impõe certas obrigações as entidades que processam informação: usar os dados para os objetivos específicos e explícitos estabelecidos; e garantir a segurança dos dados contra o acesso acidental, não autorizado ou a manipulação. Nos casos em que entes do Estado ou do setor privado tivessem obtido dados de forma irregular e/ou ilegalmente, o peticionário deve ter acesso a esta informação, inclusive quando esta seja de caráter classificada com o objeto de devolver-lhe a tutela da data ao indivíduo que se vê afetado. A ação de habeas data como mecanismo de fiscalização das entidades de segurança e inteligência dentro deste contexto, tem como finalidade verificar a legalidade da recopilação de dados sobre as pessoas. A ação de habeas data habilita ao lesionado ou a seus familiares a tomar conhecimento do objeto da recopilação e no caso de que estes tenham sido recolhidos de forma ilegal, determinar uma possível sanção dos responsáveis. A publicidade das práticas ilegais na recopilação de dados sobre as pessoas pode ter um efeito preventivo sobre as práticas destas agências no futuro.[27]
37. Para que a ação de habeas data seja conduzida com eficiência, deve-se eliminar as travas administrativas que obstaculizam a obtenção da informação e implementar sistemas de solicitação de informação de fácil acesso, simples e de baixo custo para o solicitante. Do contrário, se consagraria formalmente uma ação que na práctica não contribue a facilitar o acesso à informação.
38. Assim mesmo, é necessário que para o exercício desta ação não se requeira revelar as causas pelas quais se requer a informação. A mera existência de dados pessoais em registros públicos ou privados é razão suficiente para o exercício deste direito.[28]
39. Resumindo, o direito de acesso à informação e a ação de habeas data, dentro do marco apresentado nesta seção, se constituem como ferramentas legais para alcançar a transparência dos atos do Estado, para proteger a intimidade das pessoas frente a manejos arbitrários ou ilegítimos de dados pessoais e como meio de fiscalização e participação da sociedade.[29]
40. A seguir está a informação recolhida sobre as leis e práticas existentes no hemisfério sobre o direito de acesso a informação e habeas data.
C. Acesso à Informação nos Estados membros
1. Análise Estatística
41. A seguinte tabela indica os países que têm disposições referentes a liberdade de informação, e a ação de habeas data previstas em suas constituições nacionais. A Relatoria gostaria que os Estados membros contribuíssem com informação, a fim de atualizar, retificar ou aperfeiçoar as estatísticas aqui apresentadas, e que serão inseridas no relatório anual do ano 2002. Tal informação incluiria a tanto a existência como os avanços na adoção de legislação e regulamentação do direito de acesso à informação pública como a ação de habeas data.
Referências das tabelas: Tabela 1
1. Existem disposições de caráter constitucional que reconheçam ou se referem a ação de habeas data?
2. Existem disposições de caráter constitucional que reconheçam o livre acesso à informação que se encontra em poder do Estado (arquivos, bases de dados, memorandos, correio eletrônico, etc. das diferentes repartições governamentais?
País |
1 |
2 |
|
|
Antigua e Barbados |
|
|
|
Argentina |
Sim |
Sim |
|
Bahamas |
|
|
|
Barbados |
|
|
|
Belize |
|
|
|
Bolívia |
Não |
Não |
|
Brasil |
Sim |
Sim |
|
Canadá |
Não |
Não |
|
Chile |
Não |
Sim (ambíguo) |
|
Colômbia |
Sim (tutela) |
Sim |
|
Costa Rica |
Não |
Não |
|
Cuba |
Não |
Não |
|
República Dominicana |
Sim |
Sim |
|
Equador |
Não |
Não |
|
El Salvador |
|
|
|
Granada |
|
|
|
Guatemala |
Não |
Sim |
|
Guiana |
|
|
|
Haiti |
|
|
|
Honduras |
Não |
Sim |
|
Jamaica |
Não |
Não |
|
México |
Não |
Sim (petição) |
|
Nicarágua |
Não |
Sim (petição, ambíguo) |
|
Panamá |
Não |
Não |
Paraguai |
Sim |
Não |
Peru |
Sim |
Sim |
São Cristóvão e Névis |
|
|
Santa Lucia |
|
|
São Vicente & Granadinas |
|
|
Suriname |
|
|
Trinidad e Tobago |
Não |
Não |
Estados Unidos |
Não |
Não |
Uruguai |
Não |
Não |
Venezuela |
Sim |
Sim |
Tabela 2. Tipo de informação utilizada para o presente relatório
País |
Informação oficial |
Informação Extra-oficial |
Não há informação |
Antígua e Barbados |
|
|
x |
Argentina |
x |
X |
|
Bahamas |
|
|
x |
Barbados |
|
|
x |
Belize |
|
|
x |
Bolívia |
|
X |
|
Brasil |
x |
|
|
Canadá |
x |
|
|
Chile |
x |
X |
|
Colômbia |
x |
X |
|
Costa Rica |
|
X |
|
Cuba |
|
x |
|
República Dominicana |
x |
x |
|
Equador |
|
x |
|
El Salvador |
|
x |
|
Granada |
|
|
x |
Guatemala |
|
x |
|
Guiana |
|
x |
|
Haiti |
|
|
x |
Honduras |
|
|
x |
Jamaica |
|
x |
|
México |
|
x |
|
Nicarágua |
|
x |
|
Panamá |
x |
x |
|
Paraguai |
x |
x |
|
Peru |
x |
x |
|
São Cristóvão e Nevis |
|
|
x |
Santa Lucia |
|
|
x |
São Vicente & Granadinas |
|
|
x |
Suriname |
|
|
x |
Trinidad e Tobago |
x |
|
|
Estados Unidos |
|
x |
|
Uruguai |
|
x |
|
Venezuela |
|
x |
|
[1] A Relatoria agradece a jornalista María Seoane do Jornal Clarín de Buenos Aires, Argentina, pela investigação realizada para este relatório referente a legislação existente na matéria de cada um dos países membros da OEA.
[2] Corte IDH, Caso Baruch Ivcher, No. 74. Sentença de 6 de fevereiro de 2001, par. 143(e).
[3] Durante a Terceira Cúpula das Américas os Chefes de Estado e de Governo comprometeram-se em apoiar "o trabalho do Sistema Interamericano de Direitos Humanos em matéria de liberdade de Expressão através da Relatoria sobre Liberdade de Expressão da CIDH, e procederão a divulgar os trabalhos de jurisprudência comparada, e assegurar que sua legislação nacional sobre liberdade de expressão esteja conforme as obrigações jurídicas internacionais".
[4] Convenção Americana sobre Direitos Humanos, Artigo 13.
[5] Ibidem, par. 30.
[6] OEA, Lei Modelo de Acesso a Informação Administrativa para a Prevenção da Corrupção. Seminário Técnico Regional: Guatemala, Novembro 2000.
[7] CIDH, Opinião Consultiva OC-5/85 Série A, No. 5, par. 69.
[8] Ibidem.
[9] Ver Terceira Cúpula das Américas, Declaração e Plano de Ação. Quebec, Canadá, 20-22 de abril de 2001.
[10] Ver O Direito de Acesso dos Cidadãos aos Arquivos e Registros Administrativos. Pomed Sánchez, Luis Alberto. Editorial M.A.P., Madrid, 1989, pág.109.
[11] Ver In the Public Interest: Security Services in a Constitutional Democracy. Helsinnki Foundation for Human Rights and Center for national Security Studies, Bulletin 1, Junho de 1998. And A Model Freedom of Information, Articulo XIX, Londres, julho de 2001.
[12] Ver Terceira Cúpula das Américas, Declaração e Plano de Ação. Quebec, Canadá, 20-22 de abril de 2001.
[13] Ver Convenção Interamericana Contra a Corrupção do Sistema Interamericano de Informação Jurídica, OEA.
[14] Alfredo Chirino Sánchez, Lei Modelo de Acesso a Informação Administrativa para a Prevenção da Corrupção, Departamento de Cooperação e Difusão Jurídica, Seminário Técnico Regional: Guatemala, Cidade de Antigua, OEA, Novembro 2000, pág. 3.
[15] CIDH, OC 5/85, Série A. No. 5, par. 70.
[16] Ver El Direito a Acesso A Informação Publica. Juan Pablo Olmedo Bustos e Ciro Colombrana López, Chile , pág. 8.
[17] Ver In the Public Interest: Security Services in a Constitutional Democracy. Helsinnki Foundation for Human Rights and Center for National Security Studies, Bulletin 1, Junho de 1998. And A Model Freedom of Information, Articulo XIX, Londres, julho de 2001.
[18] CIDH, OC-5/85 par.70.
[19] Ver Capítulo IV, Artigo 27 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que contempla as obrigações dos Estados sob situações de emergência.
[20] Ver Artigo 11 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
[21] Se entende por “dado sensível ” toda informação relacionada com a vida íntima da pessoa.
[22] Ver Alicia Pierini, Valentín Lorences María Inés Tornabene. Habeas Data: Direito à Privacidade. Editorial Universidade, Buenos Aires, 1999 pág. 16.
[23] Ver, O acesso à informação como direito. Víctor Abramovich e Christian Courtis. CELS, 2000. Pág. 7.
[24] Ver Secretaria de Investigação de Direito Comparado, Tomo 1 (1998) pág. 121. Corte Suprema de Justiça da Nação Argentina.
[25] O artigo IV da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem estabelece: "Toda pessoa tem direito a liberdade de investigação, de opinião e de expressão e difusão do pensamento por qualquer meio".
[26] Corte IDH, Caso Barrios Altos (Chumbipuma Aguirre e outros contra Peru) Série C No. 71 Sentença de 14 de março de 2001, par. 45.
[27] Víctor Abramovich e Christian Curtis. Oacesso à informação como direito, par. 28.
[28] Ver Direito à Informação: Reforma Constitucional e Liberdade de Expressão, Novos Aspectos. Miguel Angel Ekmekdjian. Edições Depalma (1996) pág.115.
[29] Alfredo Chirino Sánchez, Lei Modelo de Acesso a Informação Administrativa para a Prevenção da Corrupção, Departamento de Cooperação e Difusão Jurídica, Seminário Técnico Regional: Guatemala, OEA, Cidade de Antigua , Novembro 2000, pág. 11