Liberdade de Expressão

CAPÍTULO IV - ÉTICA NOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO

A.                  Introdução:  Liberdade de expressão e responsabilidade dos meios de comunicação

 1.         A Relatoria insiste, em vários de seus relatórios, sobre a necessidade de um amplo respeito à liberdade de expressão, garantindo aos cidadãos o direito de estar suficientemente informados e o funcionamento do sistema democrático. Com exceção das limitadas circunstâncias previstas na Convenção Americana, a liberdade de expressão requer que os governos se abstenham de impor restrições legais aos meios de comunicação, já que são os principais mecanismos através dos quais os membros da sociedade exercem seu direito de expressar e receber informação e idéias.[1] Contudo, pouco foi dito sobre as correspondentes responsabilidades dos meios de comunicação no exercício do direito da liberdade de expressão.  Muitos Estados e membros da sociedade na região expressaram preocupação frente à possibilidade de que os meios de comunicação nem sempre atuem de maneira responsável na busca e difusão da informação, afetem os direitos de terceiros. Entre outros temas, preocupam os casos de invasão da privacidade ao recopilar notícias, omissão de verificar adequadamente a exatidão das notícias, revelação delicada sobre assuntos de segurança nacional e publicação de informação que pode causar dano à reputação das pessoas.

2.         É importante recordar que, tendo em vista que os meios de comunicação são essenciais para que os membros da sociedade possam exercer seu direito a buscar e dar informação, estes são principalmente responsáveis perante o público e não o governo. A função principal dos meios de comunicação, e em geral da liberdade de expressão, consiste em informar ao público as medidas adotadas pelo Governo.[2]  Portanto, a função deste último não pode consistir em fazer efetiva a "responsabilidade" dos meios de comunicação, especialmente devido ao caráter altamente subjetivo da expressão "responsabilidade dos meios de comunicação".  "O mundo real é tão complexo, as situações tendem a ser tão diversas, que as normas gerais carecem de toda utilidade ou é impossível prever mediante normas especiais todos os casos possíveis . . . os jornalistas nem sempre estão de acordo entre si sobre o que deve ser feito".[3] Em consequência, as tentativas de regularizar a "responsabilidade dos meios de comunicação" estão expostas à manipulação e abuso por parte das autoridades públicas que talvez não sejam imparciais no que se refere aos meios de comunicação. A ameaça de imposição de sanções legais pela adoção de decisões jornalísticas baseadas essencialmente em questões subjetivas ou juízos profissionais suscitaria também um efeito inibitório nos meios, impedindo a divulgação de informação de legítimo interesse público.

3.         Isto não significa que os meios de comunicação operem completamente à margem da regulamentação legal, mas simplesmente que a lei referente a eles deve limitar-se tão somente a proteger e salvaguardar outros direitos básicos que podem estar em perigo ou tenham sido danificados pelo uso indevido da liberdade de expressão, ficando sua avaliação  unicamente em mãos de juízes e tribunais.[4]

4.         Deve insistir-se em que um debate sobre a "ética" ou "responsabilidade" carece de sentido a menos que exista uma ampla liberdade de expressão.[5]  "Para ter a opção de atuar de forma ética", uma pessoa deve "gozar da liberdade de decidir entre diferentes alternativas de ação".[6]  Assim, a Declaração de Princípios sobre Liberdade de expressão estabelece no seu  Princípio 6, "A atividade jornalística deve reger-se por condutas éticas, as quais em nenhum  caso podem ser impostas pelos Estados".[7]  Em palavras de um estudioso do tema das comunicações:

Não cabe dúvida  que dar aos meios de comunicação este tipo de liberdade suscita inevitavelmente bastante incômodo em alguns segmentos da sociedade, e em alguns casos pode criar certas dificuldades ou inclusive situações perigosas.  Mas na realidade, não existe diferença com respeito aos riscos  que aceitamos ao fazer da democracia a forma de governo de nossa eleição. Numa sociedade democrática se dá ao povo a faculdade última de decidir e depois manter esse poder, ainda que uma ampla minoria da população acredite que as decisões são equivocadas.  O antídoto para decisões políticas errôneas ou perigosas consiste em ganhar as batalhas políticas e convencer a um número suficiente de pessoas para que adotem a decisão correta a próxima vez, e não em  impor restrições ao diálogo político ou ao processo político para impedir a adoção de decisões desacertadas.

 O enfoque não deve ser diferente no que  respeita à liberdade de expressão numa sociedade democrática.  O antídoto para expressões equivocadas, perigosas ou ofensivas deve consistir em que, quem esteja em desacordo com as manifestações originais falem mais, em lugar de restringir as possibilidades originais manifestadas.  A chave para a solução, é que devemos estar dispostos a oferecer proteção inclusive às expressões que nos ofendam, ainda que gravemente.[8]

 5.         O fato de que os governos não regulem a responsabilidade dos meios de comunicação ou a ética de seu procedimento não implica que não haja maneira de conseguir um comportamento mais ético nestes meios.[9] Os jornalistas e os proprietários dos meios de comunicação têm presente a necessidade de manter sua credibilidade com o público para perdurar, e frequentemente adotam distintos tipos de medidas para promover um comportamento mais ético por parte dos profissionais dos meios de comunicação.  Quanto mais educados são estes profissionais e melhor conheçam o público, o papel essencial que cumprem os meios de comunicação na sociedade, mais provável que essas medidas sejam aplicadas.  A finalidade desta seção consiste em apresentar alguns dos mecanismos que o público em geral e os meios de comunicação mesmos podem aplicar para promover um maior profissionalismo e responsabilidade. Primeiro, porém, é necessário descrever brevemente o alcance das medidas governamentais  legítimas no marco da Convenção Americana sobre Direitos Humanos com respeito à responsabilidade dos meios de comunicação, para indicar os limites entre o campo do direito e o da ética. 

 B.                 Regulamentação governamental do conteúdo do material jornalístico compatível com a  Convenção Americana sobre Direitos Humanos

 6.         No marco da Convenção Americana, os Estados dispõem de meios para castigar atos dos meios de comunicação que causem grave prejuízo à sociedade ou a membros da mesma.  O artigo 13.2 da Convenção, embora proíba expressamente a censura prévia,[10] permite a aplicação de sanções posteriores, em circunstâncias limitadas, às pessoas que lesam "os direitos ou a reputação dos demais" ou "a segurança nacional, a ordem pública ou a saúde e a moral públicas".  Essas sanções "devem estar expressamente fixadas pela lei e serem  necessárias para assegurar” algum desses fins.  Com respeito ao requisito da "necessidade", a Corte Interamericana de Direitos Humanos interpretou este conceito no  sentido de que a sanção prevista deve ser algo mais que simplesmente "útil", "razoável" ou "oportuna".[11] O Estado deve demonstrar que essa sanção é a menos restritiva possível dos mecanismos tendentes a atingir o imperioso interesse do Governo.[12] "As restrições devem  ser justificadas segundo objetivos coletivos que, por sua importância, preponderem claramente sobre a necessidade social do pleno gozo do direito que o artigo 13 garante".[13]  Ademais, a restrição deve ser tal que não limite "mais do estritamente necessário o direito proclamado no artigo 13 . . . A restrição deve ser proporcionada ao interesse que a justifica e ajustada estreitamente ao alcance deste  legítimo objetivo".[14]  Este é um padrão sumamente estrito, com o qual qualquer  restrição à liberdade de expressão deve ser cuidadosamente examinada para evitar a aplicação de medidas que vulnerem indevidamente este fundamental direito.

 7.         O artigo 13.5 da Convenção estabelece: "Estará proibida pela lei toda propaganda em favor da guerra e toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constituam incitações à violência ou qualquer outra ação ilegal similar contra qualquer pessoa ou grupo de pessoas, por nenhum motivo, inclusive os de raça, cor, religião, idioma ou origem nacional". Por último, o artigo 14 da Convenção prevê o direito de resposta de aplicação obrigatória para “[t]oda pessoa afetada por informações inexatas ou agravantes emitidas em seu prejuízo através dos meios de comunicação legalmente regulamentados e que se dirijam ao  público em geral[.]”  A parte lesionada tem o direito de responder ou efetuar uma retificação através do mesmo meio de comunicação. 

8.         Dentro deste marco, o Estado pode punir  violações realmente graves cometidas pelo meios de comunicação através de sanções proporcionais que não representem excessivas restrições à liberdade de expressão. Também pode adotar medidas positivas em alguns casos, a efeito de uma mais adequada responsabilidade dos meios.

1.                  Proteção dos direitos e a reputação das pessoas

 9.         Com respeito à proteção dos direitos e a reputação das pessoas frente a uma interferência indevida dos meios de comunicação, o Estado tem vários mecanismos a seu alcance. Primeiro, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos estabeleceu o princípio pelo qual se pode aplicar sanções civis por difamação, calúnias e injúrias contra integrantes dos meios de comunicação que propagem informação prejudicial para a reputação ou o direito à privacidade das pessoas.  No caso em que a pessoa ofendida seja um "funcionário público, ou pessoa pública ou particular que se esteja envolvido voluntariamente em assuntos de interesse público”, [15] deve ser usado o critério da "real malicia" para determinar a responsabilidade. Isto significa que: “deve ser provado que na comunicação das notícias o comunicador teve intenção de infligir dano ou tinha pleno conhecimento de que se estava difundindo notícias falsas ou se conduziu com manifesta negligência na busca da verdade ou falsidade das mesmas”.[16] Em nenhum caso pode se impor sanções penais por tais transgressões quando estejam vinculadas com pessoas públicas.  Essas pessoas estão sujeitas a um nível de vigilância mais severo por parte da sociedade porque se ocupam de questões  de interesse público.  As sanções penais são muito severas em relação ao dano que se procura prevenir através das mesmas, e as pessoas públicas dispõem de outros mecanismos para proteger sua reputação.  Portanto, essas sanções não cumprem com o  requisito da "proporcionalidade" previsto no artigo 13.2.[17]

 10.       Também podem receber proteção os direitos e a reputação das pessoas através do direito de resposta ou retificação preceituado pelo artigo 14 da Convenção Americana, que pode se fazer respeitar coercitivamente conforme a lei.  Ademais, o Estado tem a faculdade  de intervir e impor sanções legais conforme o artigo 13.5 quando outros direitos de pessoas, incluindo seu direito à integridade física e a vida, se vêem ameaçados por expressões que incitem à violência.  Por último, o Estado tem direito de fazer cumprir leis de aplicação geral, como as que sancionam a penetração ilegítima em imóveis alheios, contra os meios de comunicação, sem prejuízo de respeitar sua atividade de recopilação de notícias.  "Quem  coleta informação não tem direito de invadir a privacidade das pessoas nem de obrigar a uma pessoa. . .  Não tem direito de tomar por assalto uma residência ou uma empresa privada com equipamentos sonoros e câmaras, nem invadir o prédio de um vizinho".[18]  O Estado não deve aplicar essas leis aos meios de comunicação de forma abusiva é destinada exclusivamente a impedir um acesso indevido a informação que seja de interesse público.

2.                  Proteção da segurança nacional, a ordem pública e a salubridade ou a moral públicas

11.       Também neste caso, conforme o artigo 13.2, o Estado pode impor sanções posteriores por expressões ilícitas, para proteger a segurança nacional, a ordem pública e a  salubridade ou a moral públicas, na medida em que essas sanções estejam “expressamente fixadas pela lei e [sejam] necessárias para assegurar" algum desses direitos.[19] Como indicado anteriormente, toda restrição à liberdade de expressão deve ser de interpretação restritiva e estritamente proporcional à importância do interesse legítimo do Estado que se quer proteger.  Em virtude desta norma, a Corte Interamericana de Direitos Humanos concluiu que a obrigação legal de que os jornalistas se afiliem a uma associação profissional implica uma restrição ilegítima da liberdade de expressão, porque impede aqueles que não são membros da associação exercer seu direito à liberdade de expressão.[20] A Corte concluiu que a lei sobre afiliação obrigatória a uma associação profissional  está efetivamente destinada a satisfazer um interesse público legítimo.  A organização de jornalistas pode ser concebida como um mecanismo destinado a garantir a independência e liberdade dos jornalistas, bem como "um meio de regulamentação e de controle da fé pública e da ética através da atuação dos colegas".[21]  Isto poderia responder o propósito legítimo da "ordem pública".  Não obstante, a Corte entendeu que "o mesmo conceito de ordem pública reclama que, dentro de uma sociedade democrática, sejam garantidas as maiores possibilidades de circulação de notícias, idéias e opiniões, bem como o mais amplo acesso à informação por parte da sociedade em seu conjunto".[22]  Em consequência, a Corte concluiu que a sindicalização obrigatória dos jornalistas não constituiu um mecanismo aceitável para garantir a ordem pública através da regulamentação da conduta dos jornalistas.      

 12.       Ademais das sanções que pode impor o Estado conforme o artigo 13.2, este pode proteger a moral das crianças e adolescentes regulando seu acesso aos espetáculos públicos que possam ser inadequados a eles.[23]  Esta exceção não permite a proibição completa de uma obra, mas o Estado deve permitir sua exibição a pessoas de mais de 18 anos de idade.[24]

 3.                  Exatidão da informação

 13.       Promover a exatidão das notícias, em geral, é uma finalidade que pode ser atingida mais eficazmente mediante medidas governamentais positivas que através da imposição de sanções em caso de informações consideradas "inexatas" ou "carentes de veracidade".  Como assinalado anteriormente, a Relatoria, não deve supor que invariavelmente exista uma verdade indiscutível.  Ademais, ainda que fosse possível determinar a verdade de todas as coisas, o debate e o  intercâmbio de idéias são, evidentemente, o melhor método para descobrir a verdade e reforçar sistemas democráticos baseados na pluralidade de idéias, opiniões e informação.  A imposição prévia da obrigação de dar a conhecer somente a verdade elimina expressamente a possibilidade de realizar o debate necessário para chegar a ela.  A perspectiva de sofrer sanções por informar sobre um tema que um debate livre, posteriormente demonstre que era incorreto, cria a possibilidade de que os informadores imponham-se a auto-censura para evitar sanções, com o conseqüente perigo para os cidadãos, que se veriam  privados dos benefícios do intercâmbio de idéias. Por esta razão, a Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão estabelece em seu Princípio 7:

 Condicionamentos prévios, tais como veracidade, oportunidade ou imparcialidade por parte dos Estados são incompatíveis com o direito à liberdade de expressão reconhecido nos instrumentos internacionais.

 14.       Em lugar de impor sanções por não difundir informação veraz ou exata, os Estados podem promover uma maior veracidade dos meios de comunicação adotando medidas positivas para garantir a pluralidade de vozes, provenientes de diferentes setores da sociedade.  A democracia requer a confrontação de idéias, o debate e o diálogo.  Quando este debate não existe ou se debilita devido ao fato de que as fontes de informação são escassas, se produz uma contravenção direta do pilar principal do funcionamento da democracia. Uma maior diversidade de fontes suscita inevitavelmente a versão mais exata dos fatos.  Isto pode ser conseguido através de diversos mecanismos, como a prevenção de monopólios ou oligopólios e o uso de critérios democráticos para a concessão de frequências de radiodifusão.  Tendo em conta esses fins, o Princípio 12 da Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão estabelece:  

 Os monopólios e oligopólios na propriedade e controle dos meios de comunicação devem estar sujeitos a leis anti-monopólicas, uma vez que conspiram contra a democracia ao restringir a pluralidade e diversidade que assegura o pleno exercício do direito à informação dos cidadãos.  Em nenhum caso essas leis devem ser exclusivas para os meios de comunicação.  As concessões de rádio e televisão devem ter critérios democráticos que garantam uma igualdade de oportunidades para todos os indivíduos ao acesso dos mesmos.

 15.       Os monopólios ou oligopólios nos meios de comunicação de massas representam um grave obstáculo ao direito de todas as pessoas a expressar-se e receber informação, o que afeta gravemente o requisito do pluralismo. Quando as fontes de informação são reduzidas drasticamente em quantidade, como sucede com os oligopólios, ou quando somente existe uma fonte, como passa com os monopólios, aumenta a possibilidade de que se elimine o benefício de que a informação difundida seja impugnada por outra fonte, o que acarreta, na prática, a limitação do direito de informação de toda a sociedade.

16.       Da mesma forma, se existe múltiplos meios de comunicação, mas seus proprietários e trabalhadores são fortemente representativos de determinado grupo social, político, religioso, cultural ou de outro gênero, a diversidade de pontos de vista é limitada.  São necessários critérios democráticos para a adjudicação de frequências de radiocomunicação e televisão, a fim de garantir a diversidade de pontos de vista.

17.       O Estado pode também promover uma maior exatidão da informação dos meios procurando que os jornalistas tenham acesso a maior informação possível.  Os jornalistas e todos os membros da sociedade tem direito a obter acesso à informação que esteja em mãos do Estado.  O Princípio 4 da Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão estabelece:

 O  acesso à informação em poder do Estado é um direito fundamental dos indivíduos.  Os Estados estão obrigados a garantir o exercício deste direito.  Este princípio somente admite limitações excepcionais que devem estar estabelecidas previamente pela lei, para o caso que exista um perigo real e iminente que  ameace a segurança nacional nas sociedades democráticas

 18.       Quanto ao objetivo específico deste direito, se entende que as pessoas têm  o direito a solicitar documentação e informação que estão em arquivos públicos ou que seja processada pelo Estado; em outras palavras, informação que se considere proveniente de uma fonte pública ou de documentação governamental oficial.  É uma parte fundamental do papel dos meios de comunicação dar a conhecer esta informação e manter informada à sociedade sobre questões de interesse público.  Se acaso se nega aos jornalistas essa informação, eles podem ter que obtê-la de outras fontes, freqüentemente menos fidedignas.

 C.                 Mecanismos destinados a promover um comportamento ético dos meios de comunicação sem participação pública

 19.       À margem da regulamentação governamental, existem muitos mecanismos  através dos quais se pode conseguir que os meios de comunicação sejam mais exatos e mais responsáveis perante o público e aqueles que são objeto de informação nas notícias. Na seguinte seção estão descritos mecanismos que podem ser utilizados pelos jornalistas,  editores e os diretores de informativos, proprietários de meios de comunicação e cidadãos.  Embora  todos estes mecanismos sejam puramente voluntários, muitos estão sendo utilizados em todas partes das Américas. A Relatoria não recomenda a adoção de nenhum mecanismo em especial. Esta seção procura apresentar um panorama geral das muitas possibilidades que permitiriam promover um comportamento ético nos meios de comunicação que não conte com a regulamentação do Estado.  

1.                  Códigos de Ética

20.       Os Códigos de Ética estabelecem normas de conduta profissional destinadas aos profissionais dos meios de comunicação em relação à recopilação ou comunicação de notícias. Estes códigos vem sendo desenvolvidos por um alto número de associações de jornalistas e de meios de comunicação tanto a nível interno como  internacional. Os mesmos foram criados com o fim de converterem-se em pautas voluntárias de conduta, que podem ser adotados por um meio de comunicação em particular ou jornalistas em geral. Muitos dos meios de comunicação escrevem seus próprios códigos de conduta ou ética, os quais são cumpridos  através de contratos de trabalho.  Em alguns meios de comunicação, os manuais de estilo ou outro tipo de regulamentações são, na realidade, códigos de ética que submetem a um jornalista a sanções de trabalho.[25] Alguns meios de comunicação publicam seus códigos para fazê-los mais acessíveis ao público e incrementar a "pressão moral", buscando desta forma a sua observância.[26]

21.       A maioria dos códigos contêm disposições essencialmente similares, entre elas a proibição de mentir ou destorcer notícias e causar prejuízos desnecessários a qualquer  pessoa ao difundir ou recopilar informação.  Também compreendem  direitos afirmativos, como ser competente; ser independente de "forças políticas, econômicas e intelectuais"; informar clara, precisa e equitativamente; servir a todos os setores étnicos, políticos, sociais e de outro gênero que compõem a sociedade; e "defender e promover os direitos humanos e a  democracia".[27]

 22.      Embora seja recomendável que os meios de comunicação contem com seus próprios códigos de maneira de garantir que o trabalho dos jornalistas responda a pautas ou condutas éticas estabelecidas, cabe destacar que os mesmos nunca devem ser impostos pelos  Estados nem pela lei. Os meios de comunicação tem o direito de escolher se adotam ou não um código.

 2.                  Capacitação

 23.       Muitas universidades oferecem cursos de ética para estudantes de jornalismo.  Os estudos universitários de jornalismo são cada vez mais frequentes, e um crescente número de departamentos universitários de jornalismo exigem ao menos um curso sobre ética. Na metade da carreira, os jornalistas recebem educação sobre ética através de sindicatos, ligas e das empresas jornalísticas as quais pertencem.  Alguns empregadores e organizações concedem doações ou bolsas para que jornalistas experimentados assistam a cursos de ética, ou para a obtenção de graus universitários em jornalismo, que requeiram o estudo da responsabilidade jornalística e ética.[28]  Seminários e workshops sobre ética são organizados  para jornalistas dentro de empresas jornalísticas individuais, ou a cargo de instituições externas, como universidades, associações de meios de comunicação ou organizações não governamentais.[29]  Em geral, nesses programas são utilizados estudos de casos ou atividades de tomada de papéis, em que os jornalistas devem avaliar dilemas éticos em situações cotidianas.[30]

 3.                  Conselhos de imprensa

 24.       Os conselhos de imprensa são associações formadas por membros dos meios de comunicação e do público.  Habitualmente consideram queixas dos cidadãos sobre os meios de comunicação em um procedimento similar ao judicial.  Esses conselhos carecem de faculdades reais  de aplicação coercitiva de suas decisões, mas baseiam-se no desprestígio público que acarreta a crítica do tribunal para conseguir o cumprimento de normas de conduta ética.  Estes conselhos tem caráter local e nacional.[31] Os Estados devem abster-se de criar ou participar nestes conselhos.[32]

 4.                  Crítica dos meios de comunicação

 25.       Os meios de comunicação, as organizações que os agrupam, e o público, utilizam diversos mecanismos para avaliar o desempenho dos meios de comunicação, esperando que com isto melhore seu futuro desempenho.  Estes múltiplos mecanismos podem  caracterizar-se como instrumentos "de crítica dos meios de comunicação".

 26.       Os diferentes meios costumam  realizar uma autocrítica destinada a intensificar o profissionalismo em sua organização.  Um destes mecanismos utilizados pelas empresas jornalísticas consiste na nomeação de um ombudsman.  Trata-se geralmente de um jornalista experimentado e respeitado que "recebe queixas dos leitores e o telespectadores; em alguns casos resolve controvérsias e em outros redige uma coluna de reflexões para a página editorial do periódico".[33]  Às vezes esta pessoa é descrita como um "advogado dos leitores".[34] Outro mecanismo interno que utilizam muitos meios de comunicação impressos consiste numa caixa de correições colocada em lugar visível em cada edição.[35] Além disso, alguns meios publicam informação sobre o setor a que pertencem coletivamente através da criação de uma "página sobre meios de comunicação" ou um programa sobre os mesmos.[36]

 27.       Em muitos casos os meios de comunicação fazem o público participar diretamente no processo de crítica aos meios.  Alguns utilizam pesquisas públicas para estabelecer se estão servindo ao interesse público.  Algumas delas estão dirigidas às pessoas mencionadas no meio de comunicação, a fim de determinar em que medida foram tratadas com justiça no meio e se acreditam que a crônica foi verdadeira.  Outras elaboram formulários impressos que são preenchidos pelos usuários do meio, e através deles se procura avaliar as impressões gerais destes usuários, a fim de verificar se estão apresentando a informação exata e isenta de preconceito.[37]

 28.       Em muitos casos se dá ao público a possibilidade de realizar comentários diretos sobre o desempenho dos meios de comunicação através de uma página de "cartas ao diretor", no caso dos meios de comunicação impressa, ou através da designação de um espaço em que se lêem as cartas dos ouvintes ou telespectadores, a fim de difundi-las publicamente, no caso dos meios de rádio e televisão.  Estas cartas às vezes são publicadas nos sites de entidades jornalísticas na Internet.  Muitas empresas jornalísticas publicam também as direções de correio eletrônico dos funcionários, para que o público possa estar em contato direto com os jornalistas.[38] Muitos meios de comunicação organizam "noites de reuniões de leitores" ou "reuniões locais" com jornalistas e residentes locais, para que o público possa expressar suas preocupações e analisar suas expectativas com respeito aos meios de difusão.[39] "Algumas empresas. . . ou grupos ideológicos . . . contratam páginas em periódicos para denunciar o que consideram como 'pecados' dos meios de difusão".[40]

 29.       Também existem mecanismos para criticar os meios de comunicação que se adicionam aos meios de comunicação individuais.  As publicações sobre jornalismo e as revistas sobre meios de comunicação são publicações dedicadas exclusivamente a análise e a crítica dos meios.[41] O objetivo dessas publicações, de alcance local ou nacional, consiste em denunciar os "equívocos e omissões" dos meios de comunicação e publicar "notícias que tenham sido ignoradas pelos  meios de comunicação ordinários".[42]  Na metade da década dos noventa surgiram as análises jornalísticas em linha [43]. As críticas são realizadas também através da publicação de relatórios críticos ou livros escritos por comitês de especialistas ou organismos governamentais, profissionais dos meios de difusão, acadêmicos ou organizações não governamentais (ONGs).[44]  Numerosas ONG foram criadas para observar e criticar os meios de comunicação  e publicar suas omissões de forma mais permanente. [45]  Também se formulam críticas aos meios de comunicação nas manifestações de cultura popular referentes aos meios, tais como programas de televisão e filmes cinematográficos.[46]

30.       Por último, o público pode em alguns casos tratar de influir coletivamente sobre os meios de comunicação "com reuniões de sensibilização, campanhas de redação de cartas, pesquisas de opinião, avaliações sistemáticas, alertas aos legisladores, queixas destinadas aos organismos reguladores, demandas judiciais e inclusive boicotes".[47]

 D.                 Conclusão

 31.       Na seção que antecede, foram descritos muitos dos principais mecanismos através dos quais os meios de comunicação das Américas podem elevar --ou que em muitos casos estão fazendo—o nível de profissionalismo e responsabilidade ética.  Alguns dos maiores obstáculos à criação de mais meios de comunicação que atuem de forma ética é o desconhecimento, por parte do público, dos mecanismos que podem suscitar mudanças nos meios de comunicação; falta de educação nos meios sobre temas éticos; desconhecimento sobre as possibilidades que existem para promover um comportamento mais ético; e custo de aplicação dos diferentes mecanismos tendentes a fazer efetiva a responsabilidade dos meios.[48] Embora o papel do Estado neste processo deve ser limitado pelas razões já expostas, o mesmo pode promover, através da educação, a utilização voluntária de diversos mecanismos que promovam a responsabilidade nos meios de comunicação.  O Estado deve abster-se de impor restrições a fim de que atuem com ética.  Os meios de comunicação se farão mais responsáveis se eles tem liberdade para escolher a maneira de informar e o conteúdo da informação, bem como a educação necessária para adotar decisões éticas.



[1] Corte IDH, A associação  obrigatória de jornalistas, Opinião Consultiva OC-5/85 Série A, No. 5, par 34.

[2] Ver Hugo Aznar, Ética e Jornalismo,  Edições Paidós Ibérica, Barcelona, Espanha, 1999, pág. 40.  Esta idéia foi refletida em vários códigos de conduta para jornalistas.  Por exemplo, a Declaração Internacional de Direitos e Obrigações dos Jornalistas, aprovada por representantes de sindicatos de jornalistas de seis países europeus em 1971, estabelece em seu Preâmbulo:  "Todos os direitos e obrigações do jornalista derivam do direito do público a ser informado sobre acontecimentos e opiniões.  A responsabilidade dos jornalistas frente ao público supera toda outra responsabilidade, aquelas referentes ao empregadores e às autoridades públicas".  A Federação Internacional de Jornalistas estabelece no Princípio 1 de sua Declaração de Princípios sobre a Conduta dos Jornalistas:  "O respeito pela verdade e pelo direito do público a conhecer é a primeira obrigação do jornalista".

[3] Claude-Jean Bertrand, Media Ethics and Accountability Systems ("A Ética Jornalística e Sistemas de Responsabilidade") , Transaction Publishers, New Brunswick, Nueva Jersey, EE.UU., 2000, pág.139.

[4] Aznar, supra, pág. 40.

[5] A. David Gordon e outros, Controversies in Media Ethics ("Controversias en Etica Periodística"), Longman Publishers, EE.UU., 1996, pág. 6 (comentário de John C. Merrill).

[6] Idem.

[7] Comparar o Princípio 9 da Declaração de Chapultepec, que estabelece, "A credibilidade da imprensa está ligada ao compromisso com a verdade, a busca de precisão, imparcialidade equidade, e a clara diferenciação entre as mensagens jornalísticas e os comerciais.  O alcance deste objetivo e a observância dos valores éticos e profissionais não devem ser impostos.  São  responsabilidade exclusiva de jornalistas e os meios.  Numa sociedade livre a opinião pública premia ou castiga".

[8] Gordon e outros, supra, pág. 32 (comentário de A. David Gordon).

[9] Aznar, supra, pág. 41.

[10] O artigo 13.4 prevê uma exceção a esta regra geral, ao estabelecer que "Os espetáculos públicos podem ser submetidos pela lei à censura prévia com o exclusivo objetivo de regular o acesso a eles para a proteção moral da infância e a adolescência . . .".

[11] Corte IDH, OC-5/85, supra, parágrafo 46.

[12] Idem.

[13] Idem.

[14] Idem.

[15] Declaração de Princípios sobre Liberdade de expressão, Princípio 10.

[16] Idem.

[17] Ver  CIDH, Relatório sobre a compatibilidade entre as leis de desacato e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, no Relatório Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos 1994, OAS/Ser. L./V/II.88, Doc. 9 rev., 17 de fevereiro  de 1995, págs. 207 à 223.

[18] Gordon e outros, supra, nota, 5 pág. 38 (comentário de Carol Reuss).

[19] Convenção Americana sobre Direitos Humanos, Artigo 13.2.

[20] Ver  Corte IDH, OC-5/85, supra, nota 1.

[21] Idem., parágrafo 68.

[22] Idem., parágrafo 69.

[23] Convenção Americana sobre Direitos Humanos, Artigo 13.4.

[24] Corte IDH, Caso "A Última tentação de Cristo" (Olmedo Bustos e outros contra  Chile), sentença de 5 de fevereiro de 2001, Série C, No. 73.

[25] Bertrand, supra, pág. 43.

[26] Bertrand, supra, pág. 113.

[27] Idem., 45.

[28] Bertrand, supra, pág. 121.

[29] Idem.

[30] Idem., pág. 122.

[31] Dennis, supra, pág. 700.

[32] Veja, em geral, Corte IDH, OC-5/85, supra.

[33] Dennis, supra, pág. 700.

[34] Bertrand, supra, pág. 117.

[35] Idem., pág. 112.

[36] Dennis, supra, pág. 701.

[37] Idem., pág. 113.

[38] Bertrand, supra, pág. 113.

[39] Idem., pág.122.

[40] Idem., pág. 113.

[41] Idem., pág. 702.

[42] Bertrand, supra, pág. 114.

[43] Idem.

[44] Idem., pág. 115.

[45] Idem., págs. 119notícia123.

[46] Dennis, supra, pág. 703.

[47] Bertrand, supra, pág. 119.

[48] Idem., págs. 142, 145.