Liberdade de Expressão

2006

Mecanismos Internacionais para a Promoção da Liberdade de Expressão
DECLARAÇÃO CONJUNTA

O Relator Especial das Nações Unidas (ONU) sobre a Liberdade de Opinião e Expressão, o Representante da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) para a Liberdade dos Meios de Comunicação, o Relator Especial da Organização dos Estados Americanos (OEA) para a Liberdade de Expressão e a Relatora Especial da Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos (CADHP) para a Liberdade de Expressão,

Tendo discutido os presentes temas em conjunto, com o auxílio da organização ARTIGO 19, Campanha Mundial pela Liberdade de Expressão (ARTICLE 19, Global Campaign for Free Expression);
Recordando e reafirmando suas declarações conjuntas de 26 de novembro de 1999, 30 de novembro de 2000, 20 de novembro de 2001, 10 de dezembro de 2002, 18 de dezembro de 2003, 6 de dezembro de 2004 e 21 de dezembro de 2005;

Sublinhando a importância de respeitar o direito dos jornalistas a publicar informações que lhes tenham sido entregues de modo confidencial;

Enfatizando a importância da recente decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Marcel Claude Reyes e outros v. Chile, que confirmou a existência do direito de acesso à informação em poder dos Estados;
Conscientes da adoção por parte do movimento da sociedade civil Iniciativa Global de Transparência da Carta de Transparência para as Instituições Financeiras Internacionais: Demandando Nosso Direito de Saber, que faz um chamado à abertura por parte dos bancos de desenvolvimento multilateral e outros organismos financeiros internacionais;

Avaliando positivamente as progressivas emendas que várias instituições financeiras internacionais têm feito nos anos recentes às suas políticas de acesso à informação;

Observando que os organismos públicos internacionais e as organizações intergovernamentais, de igual modo a suas contrapartes nacionais, têm uma obrigação de ser transparentes e de prover acesso às informações que manuseiam;
Considerando a maior consciência do público a respeito das tensões que podem resultar de determinados tipos de expressão, em função de diferentes valores culturais e religiosos, em particular como consequência do incidente das caricaturas dinamarquesas;

Preocupados com os chamados de determinados grupos a restringir os padrões estabelecidos para o respeito à liberdade de expressão como forma de resolver as tensões acima mencionadas;

Reafirmando que a liberdade de expressão e uma imprensa livre podem desenvolver um importante papel positivo em relação às tensões sociais e na promoção de uma cultura de tolerância;

Recordando que os ataques como os assassinatos, sequestros, hostilizações e/ou ameaças contra jornalistas e outros indivíduos que exerçam o seu direito à liberdade de expressão, e também a destruição material de instalações comunicacionais, constituem uma ameaça significativa ao jornalismo independente e de investigação, à liberdade de expressão e ao livre fluxo de informações ao público;

Notando a necessidade de existirem mecanismos especializados que promovam a liberdade de expressão em cada região do mundo, e a carência de tais mecanismos na região Ásia-Pacífico;

Adotam, em 19 de dezembro de 2006, a seguinte Declaração:

Sobre a publicação de informações confidenciais

  • Não se deve atribuir responsabilidade aos jornalistas que publicam informações sigilosas ou confidenciais quando não tenham cometido um ilícito ao obtê-la. Cabe às autoridades públicas proteger as informações legitimamente confidenciais que manuseiam.

Sobre a abertura dos órgãos públicos nacionais e internacionais

  • Os órgãos públicos, sejam nacionais ou internacionais, manuseiam informações em nome do público e não de si mesmos, e deverão, com limitadas exceções, prover acesso a essas informações.
  • Os organismos públicos internacionais e as organizações intergovernamentais deverão adotar políticas internas de cumprimento obrigatório que reconheçam o direito do público a acessar as informações que manuseiam. Essas políticas devem estabelecer a divulgação de informações-chave por iniciativa própria dos organismos, assim como o direito a receber informações por meio de pedidos concretos.
  • As exceções ao direito de acesso à informação devem ser estabelecidas de modo claro em tais políticas e o acesso deve ser autorizado a menos que (a) a divulgação cause dano sério a um interesse protegido, e (b) esse dano seja maior que o interesse público em acessar a informação.
  • Os indivíduos devem ter o direito de apresentar uma queixa perante um organismo independente alegando uma falha na aplicação das políticas de acesso à informação, e esse organismo deve ter o poder de considerar tais queixas e proporcionar reparações quando necessário.

Liberdade de expressão e tensões culturais e religiosas

  • O exercício da liberdade de expressão e uma imprensa livre e plural desempenham um papel muito importante em promover a tolerância, aplacar tensões e constituir-se como um foro para a resolução pacífica de conflitos. Instâncias de alto nível dos meios de comunicação e outros atores que exacerbam as tensões sociais tendem a obscurecer esse fato.
  • Os governos devem se abster de apresentar projetos de lei que convertam em delito a simples exacerbação das tensões sociais. Ainda que seja legítimo punir discursos que constituam incitação ao ódio, não é legítimo proibir meras expressões ofensivas. A maioria dos países já tem uma legislação excedente, ou ao menos suficiente, em relação aos "discursos de ódio". Em muitos países, as regras sobre essa temática são utilizadas de forma abusiva pelos poderosos para restringir vozes não tradicionais, discordantes, críticas ou de minorias, ou debates sobre desafios sociais. Ademais, não se podem resolver tensões geradas por diferenças culturais ou religiosas através da supressão da expressão das diferenças, e sim por meio do debate aberto sobre elas. A liberdade de expressão é, por isso, um requisito, e não um impedimento para a tolerância.
  • Os organismos profissionais e de autorregulação vêm desempenhando um importante papel em fomentar a consciência sobre como informar em torno da diversidade e como abordar temas difíceis e às vezes controversos, incluindo o diálogo entre as culturas e temas contenciosos sobre assuntos relacionados à moral, ao artístico, ao religioso, e a elementos de outra natureza. Deve-se proporcionar um ambiente adequado para facilitar o desenvolvimento voluntário de mecanismos de autorregulação, tais como conselhos de imprensa, associações profissionais de ética e a figura do(a) ombudsperson nos meios de comunicação.
  • O mandato recebido pelos meios audiovisuais de serviço público deverá exigir de modo explícito que eles tratem de temas controversos de forma sensível e equilibrada, e que contenham programações que busquem promover a tolerância e a compreensão das diferenças.

Impunidade em casos de ataques contra jornalistas

  • Os atos de intimidação contra jornalistas, em particular os assassinatos e ataques físicos, restringem a liberdade de expressão não só dos jornalistas, mas sim de todos os cidadãos, uma vez que produzem um efeito amedrontador sobre o livre fluxo de informações. Isso ocorre como consequência do temor que é gerado quanto a informar sobre abusos de poder, atividades ilegais ou outras irregularidades contra a sociedade. Os Estados têm a obrigação de adotar medidas efetivas para evitar tais tentativas ilegais de restringir a liberdade de expressão.
  • Em particular, os Estados devem condenar de forma expressa esses ataques quando eles ocorrerem, investigá-los de modo rápido e efetivo para realizarem a devida punição dos responsáveis e compensação das vítimas nos casos em que couber. Os Estados também devem informar ao público de modo regular a respeito desses procedimentos.

_____________________________________

Ambeyi Ligabo
Relator Especial da ONU sobre a Liberdade de Expressão

Miklos Haraszti
Representante da OSCE para a Liberdade dos Meios de Comunicação

Ignacio J. Álvarez
Relator Especial da OEA para a Liberdade de Expressão

Faith Pansy Tlakula
Relatora Especial da CADHP para a Liberdade de Expressão