Liberdade de Expressão

2013

Mecanismos Internacionais para a Promoção da Liberdade de Expressão

DECLARAÇÃO CONJUNTA SOBRE PROTEÇÃO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO E A DIVERSIDADE NA TRANSIÇÃO DIGITAL TERRESTRE

O Relator Especial das Nações Unidas (ONU) sobre a Liberdade de Opinião e Expressão, a Representante da Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa (OSCE) para a Liberdade dos Meios de Comunicação, a Relatora Especial da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA para a Liberdade de Expressão e a Relatora Especial da Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos (CADHP) para Liberdade de Expressão e Acesso à Informação,

Tendo-se reunido em Pretória em 5 de abril de 2013, e após discutirem as presentes questões conjuntamente com o auxílio da organização ARTIGO 19, Campanha Mundial pela Liberdade de Expressão (ARTICLE 19, Global Campaign for Free Expression) e do Centro para o Direito e a Democracia (Centre for Law and Democracy);

Recordando e reafirmando nossas Declarações Conjuntas de 26 de novembro de 1999, 30 de novembro de 2000, 20 de novembro de 2001, 10 de dezembro de 2002, 18 de dezembro de 2003, 6 de dezembro de 2004, 21 de dezembro de 2005, 19 de dezembro de 2006, 12 de dezembro de 2007, 10 de dezembro de 2008, 15 de maio de 2009, 3 de fevereiro de 2010, 1º de junho de 2011, e 25 de junho de 2012;

Enfatizando, uma vez mais, a importância fundamental da liberdade de expressão, em si mesma e como uma ferramenta essencial para a defesa de todos os outros direitos, como elemento central da democracia e condição essencial para o avanço dos objetivos de desenvolvimento;

Reconhecendo as possibilidades que um sistema sólido e diversificado de meios de comunicação oferece para a promoção do livre intercâmbio de informações e ideias na sociedade, ao oferecer oportunidades de expressão e responder às necessidades informacionais e outros interesses, e a contribuir, assim, para a democracia, a coesão social e uma ampla participação no processo de adoção de decisões;

Preocupados com o fato de que, em numerosos países, as considerações comerciais e políticas têm dominado os debates e a formulação de políticas de transição para o sinal digital terrestre (desconexão ou transição digital) em detrimento dos direitos humanos, em especial nos aspectos relacionados à liberdade de expressão, incluindo a diversidade, e à proteção dos direitos de espectadores e ouvintes;

Recordando que as frequências radioelétricas são um recurso público para a liberdade de expressão, e que os Estados têm a obrigação de gerir adequadamente esse recurso, incluindo o "dividendo digital", a fim de promover na maior medida possível o interesse geral;

Destacando que os Estados têm a obrigação de promover e proteger o direito à liberdade de expressão e à igualdade e diversidade dos meios de comunicação, bem como de proporcionar recursos efetivos em caso de violação de tais direitos, também no processo de transição digital;

Considerando que, na ausência de um planejamento e uma gestão adequados, a transição digital poderia exacerbar o risco de que se produza uma concentração indevida da propriedade e do controle dos meios de rádio e televisão;

Atentos ao risco de que a gestão deficiente do processo de transição digital possa redundar na redução do acesso a serviços de radiodifusão por parte de setores menos favorecidos da população (criando, dessa forma, um hiato digital) e/ou na impossibilidade de que meios de comunicação com menos recursos, em particular serviços locais e comunitários, continuem operando, o que comprometeria o pluralismo e a diversidade nos meios de comunicação;

Sabendo que apesar de ser sempre importante adotar um enfoque planejado na alocação do espectro digital, isso adquire até mesmo uma importância maior no contexto da transição digital, devido à crescente competitividade pelos recursos do espectro, incluindo a tecnologia móvel, assim como a distribuição de canais por meio de multiplexadores;

Destacando a necessidade de que os processos para a adoção de decisões vinculadas à transição digital permitam a maior transparência e participação possíveis, em vista do amplo impacto dessas determinações, inclusive para a liberdade de expressão;

Conscientes da imensa complexidade das escolhas que devem ser feitas no contexto da transição digital, que implicam em aspectos de direitos humanos, comerciais, tecnológicos, de recursos públicos, interesses dos consumidores e outras considerações de interesse público, que variam de modo considerável de acordo com o Estado, o que impossibilita adotar um enfoque único;

Conhecendo o número relevante de padrões internacionais sobre liberdade de expressão, assim como recomendações e padrões internacionais e regionais específicos sobre transição digital;

Adotamos, em San José, na Costa Rica, em 3 de maio de 2013, a seguinte Declaração Conjunta sobre Proteção da Liberdade de Expressão e da Diversidade na Transição Digital Terrestre:

1.        Princípios gerais

  1. Os Estados devem assegurar que no processo de transição digital terrestre se garanta o respeito à liberdade de expressão, incluindo a diversidade nos sinais.
  2. Os Estados devem assegurar que as decisões sobre transição digital terrestre sejam adotadas em um marco de transparência e plena consulta, que permita escutar os interesses de todos os atores relevantes. Para isso, uma possibilidade é criar um fórum integrado por múltiplos atores interessados que se ocupe de supervisionar o processo de consulta.
  3. Os Estados devem assegurar que o processo de transição digital terrestre seja realizado de uma maneira planejada e estratégica, que produza ótimos benefícios para o interesse público, considerando as circunstâncias locais. Isto pode incluir a adoção de decisões que requerem buscar um ponto de equilíbrio entre aspectos de qualidade (como a disponibilidade da televisão de alta definição) e quantidade (como o número de canais), segundo o grau de pressão sobre o espectro.
  4. Embora as principais decisões sobre políticas relativas à transição digital terrestre devam ser adotadas pelo governo, a implementação de tais decisões só terá um caráter legítimo quando estiver a cargo de um organismo isento de ingerências injustificadas de natureza política, comercial ou de outro tipo, conforme as exigências das normas internacionais de direitos humanos (ou seja, uma autoridade de regulação independente).
  5. O processo para a outorga de concessões de radiodifusão deve ser regulado de forma estrita pela lei, e realizar-se em função de critérios claros, objetivos, transparentes e democráticos. Isto inclui a necessidade de que o marco jurídico tenha suficiente clareza para evitar ações arbitrárias, incluindo as que respondam à linha editorial da emissora, exigir que as decisões sejam fundamentadas e se difundam de forma pública, e permitir o controle judicial das decisões.
  6. Embora a União Internacional de Telecomunicações (UIT) tenha estabelecido prazos indicativos para a desconexão da televisão analógica terrestre, não existe um processo global equivalente para os serviços analógicos de rádio. Os Estados precisam avaliar os benefícios que a implementação de um processo de transição digital poderia gerar para o interesse público, especialmente um processo que inclua a desconexão analógica para os serviços de difusão de rádio, se conviria adiar essa consideração para um momento futuro ou se talvez uma parte do espectro deva ser reservada para sinais analógicos de rádio, pelo menos durante o futuro próximo.

2.        Processos relativos a políticas públicas-chave

  1. As decisões sobre políticas públicas-chave – tais como que infraestrutura tecnológica (backbone) será utilizada para a transmissão digital terrestre, o planejamento geral do espectro, o enfoque sobre a alocação de multiplexadores e os papéis cabíveis em cada caso à autoridade de regulação, as emissoras existentes e as forças do livre mercado – devem garantir o respeito à liberdade de expressão e um equilíbrio entre os diferentes interesses contrapostos, considerando as circunstâncias do país.
  2. As autoridades de regulação devem contar com as atribuições e os recursos necessários – em relação à capacidade humana e tecnológica, e poderes de supervisão e aplicação – para implementar decisões sobre políticas públicas-chave.
  3. Quando os multiplexadores são operados por provedores de conteúdos ou operadores independentes, devem-se estabelecer normas claras sobre a alocação de capacidade (ou capacidade adicional) do multiplexador, inclusive, e conforme couber, para assegurar que tal alocação seja feita de forma justa, transparente e não discriminatória. Isto reveste especial importância em países onde há um único multiplexador.

3.        Promover a diversidade e outras metas vinculadas

  1. As políticas e os processos de outorga de concessões dos Estados vinculados à transição digital terrestre devem fomentar a diversidade nos meios de comunicação.
  2. Como princípio geral, a transição digital terrestre deve permitir a continuidade da prestação dos serviços de transmissão de radiodifusão que existem na atualidade. Devem-se estabelecer normas razoáveis e proporcionais dos tipos "must-carry" e "must-offer" para os multiplexadores, de acordo com a necessidade, a fim de se promover essa meta.
  3. Os Estados devem assegurar que as emissoras de serviço público independentes possam continuar distribuindo seus serviços atuais por via terrestre durante a transição digital e após tal período (e que as emissoras governamentais ou estatais se transformem em emissoras de serviço público). Isto deve incluir medidas para assegurar que elas contem com os recursos legais, tecnológicos, financeiros e organizacionais necessários para tal fim. Nos casos em que for necessário, é possível que se requeiram medidas financeiras especiais ou de outro tipo para assegurar que as emissoras de serviço público possam obter ou usar o equipamento necessário para transmitir seus sinais de forma digital.
  4. Os Estados também devem assegurar que os serviços de radiodifusão comunitária e locais continuem durante a transição digital e após o seu período. Para tal efeito, devem-se analisar diversas medidas, incluindo as seguintes:
    1. Permitir que certos tipos de radiodifusores – em particular, os serviços locais e comunitários de baixo alcance – continuem sua distribuição por meio de sinais terrestres analógicos, sempre que isso for compatível com os padrões internacionais.
    2. Permitir que certos tipos de serviços de radiodifusão sejam prestados sem concessão em determinadas bandas do espectro.
    3. Medidas de regulação para reduzir e/ou repartir os custos da difusão digital terrestre, por exemplo, estabelecendo redes de distribuição compartilhadas ou que contem com outros mecanismos para incrementar sua eficiência.
    4. O provimento de subsídios ou outras formas de assistência para auxiliar a comunidade e os meios de comunicação locais a obter o equipamento necessário para poderem distribuir seus sinais terrestres de forma digital, sempre que os subsídios forem providos por um organismo independente sobre a base de critérios objetivos.
    5. Medidas que permitam utilizar os recursos gerados pelo dividendo digital para suportar os custos de infraestrutura. 
  5. A promoção da diversidade deve ser um critério obrigatório presente na adoção de decisões vinculadas a serviços específicos proporcionados em multiplexadores digitais, na medida em que estas decisões sejam adotadas por operadores de multiplexadores ou pelos reguladores.
  6. No processo de planejamento e adoção de decisões para a transição digital terrestre, deve-se dar um caráter prioritário ao potencial do sinal digital para melhorar o acesso por pessoas com deficiências auditivas e visuais.
  7. A necessidade de promover a diversidade na radiodifusão deve ser uma consideração importante a se considerar nas decisões vinculadas à realocação geral do espectro liberado pela desconexão analógica (o dividendo digital). Nesse sentido, devem-se considerar, entre outros, os seguintes fatores:
    1. Em que medida o ambiente de radiodifusores satisfaz os interesses de todos os grupos que integram a sociedade, incluindo as minorias culturais e linguísticas, e as pessoas que vivem em diferentes áreas e regiões.
    2. A diversidade dos tipos de conteúdos que estão disponíveis por meio do sistema de radiodifusão.
    3. O interesse e a capacidade dos radiodifusores existentes, e dos que aspiram a obter um lugar, em proporcionar novos canais.
    4. Os recursos financeiros disponíveis dentro do sistema de radiodifusão em sua totalidade, incluindo todos os tipos de subsídios públicos ou cruzados, para proporcionar o apoio à produção de novos conteúdos.
    5. Os benefícios gerados, em termos de diversidade, ao exigir que os operadores de multiplexadores ofereçam serviços de radiodifusão locais, comunitários e/ou independentes.
    6. Os benefícios gerados, em termos de diversidade, pela alocação de novos canais e outras capacidades para radiodifusores de serviço público.
    7. A possibilidade de proporcionar fundos públicos para o desenvolvimento de novos conteúdos ou canais.
  8. Devem-se adotar, conforme forem necessárias, medidas especiais para evitar que a transição digital terrestre fomente uma concentração maior ou indevida da propriedade ou do controle dos meios de comunicação. Isto poderia incluir medidas de regulação relativas à operação de multiplexadores, normas claras sobre fixação de preços e competitividade em relação a multiplexadores e redes de distribuição, e a separação das operações de distribuição e conteúdos em uma mesma empresa, entre outras coisas.

4.        Considerações sobre custos e acesso universal

  1. Os Estados devem implementar medidas com vistas a restringir o custo em que a transição digital implicará para os usuários finais, especialmente com o propósito de restringir a quantidade de pessoas e lares que não podem cobrir o custo de tal transição e assegurar que tais custos não resultem em um "hiato digital" entre quem pode pagar pelo acesso a novos serviços e quem não pode fazê-lo. Essas medidas podem incluir:
    1. A imposição de normalizações técnicas para reduzir os custos associados à produção de dispositivos como decodificadores (set top boxes, STB).
    2. Medidas regulatórias destinadas a assegurar a interoperabilidade e compatibilidade de equipamentos de recepção, decodificação e decifração.
    3. Programas de subsídios para lares com menos recursos.
    4. Concessões e soluções tecnológicas adequadas que permitam satisfazer os interesses de usuários finais com maiores e menores recursos.
  2. Os enfoques e as decisões de regulação sobre serviços gratuitos e pagos devem buscar encontrar um equilíbrio adequado entre as necessidades comerciais e a possibilidade de assegurar um acesso amplo a uma plataforma básica de serviços.
  3. Os Estados devem criar e manter um programa público e multidisciplinar de contato educativo destinado ao público durante o processo de transição digital, a fim de garantir que os usuários estejam cientes do processo e do que devem fazer para estar preparados, e que contem ao menos com conhecimentos técnicos básicos. Este programa de contato deve considerar os seguintes aspectos:
    1. Iniciativas especiais de comunicação para assegurar que se preste informação adequada a usuários que não puderem se localizar com facilidade.
    2. Iniciativas especiais de comunicação para assegurar que os usuários que possam ter dificuldades de acesso tecnológico – por exemplo, pessoas idosas ou usuários em zonas rurais – contem com as informações e os conhecimentos de que necessitam.
    3. Programas de assistência, como serviços de atendimento telefônico ou programas de capacitação, destinados a pessoas que necessitem de auxílio.
    4. Ações de comunicação mais intensas, à medida que se aproxime o prazo da desconexão analógica.
  4. Os Estados devem adotar medidas para assegurar que quando se realizar a desconexão, o alcance geográfico dos serviços digitais seja, em geral, pelo menos comparável, e, de preferência, superior ao alcance dos serviços analógicos pré-existentes.
  5. Os serviços de assistência, incluindo os guias eletrônicos de programação, devem estar disponíveis em formatos fáceis de usar que não sejam discriminatórios, o que implica em sua disponibilidade nos diferentes idiomas da área de cobertura.

Frank La Rue
Relator Especial da ONU sobre a Liberdade de Opinião e Expressão

Dunja Mijatović
Representante da OSCE para a Liberdade de Imprensa

Catalina Botero Marino
Relatora Especial da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA para a Liberdade de Expressão

Faith Pansy Tlakula
Relatora Especial da CADHP para Liberdade de Expressão e Acesso à Informação